Liberdade é... Entre o não-verbal e o verbal, a construção de sentidos no mundo virtual

 

Marilei Resmini Grantham (FURG)

"...Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda..."

Cecília Meireles

Resumo

Este trabalho constitui-se, a partir dos pressupostos teóricos da Análise do Discurso de base pecheutiana, em uma análise do não-verbal no ciberespaço. Com tal objetivo, tomo a materialidade imagética sobre “liberdade” e, por este viés, pretendo mostrar a relação que se estabelece entre linguagem verbal e não-verbal, bem como os efeitos de sentidos que tal relação produz.

Introdução

 

A realização de uma pesquisa pressupõe, inicialmente, a escolha de  um objeto de investigação, o que conduz,  consequentemente, à coleta e seleção do material a ser analisado. Temos então o trabalho com o arquivo, que, nos termos de Pêcheux (1994:57), pode ser definido como “campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão.”

No presente trabalho, debruço-me sobre um arquivo virtual, construído nesta nova forma de comunicação, o ciberespaço, definido por Levy (1999:17, apud Mittman... ), como “o meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores”.

Neste ciberespaço, elego, como arquivo, o Google, site de busca criado criado por Sergey Brin e Larry Page, em 1988, e o mais usado no mundo.

Mittmann (   ), em seus etudos sobre as ressignifcações no ciberespaço, afirma:

O arquivo não é reflexo passivo de uma realidade porque nenhum discurso é. Ao contrário, se todo discurso nasce da relação de forças, do conflito, também a organização dos discursos em arquivo e a discursivização desse arquivo serão necessariamente conflituosos. Por outro lado, para que o processo de arquivamento funcione e o próprio arquivo seja reconhecido como tal, é necessário que o conflito inerente à sua construção (pois que é inerente à ideologia, à história) seja esquecido, da mesma forma que o funcionamento da ideologia precisa ser esquecido para que funcione. (....)

 

A autora ressalta que, na construção desse arquivo, há um processo de “naturalização”, através do qual certos saberes são rechaçados, em detrimento de outros, que “se precisa saber”. Assim, segundo Mittmann, há uma espécie de filtro que separa o que pode e o que não pode entrar em cada bloco do que se deve saber sobre; e isso significa que as formas de articulação desses saberes são construídos e impostos por quem detém o poder.

Assim, sob a aparência de neutralidade e de naturalidade, o arquivo tem a função de controlar o discurso e de tornar tudo evidente.

Ainda na visão de Mittmann, o  Google é um arquivo de referência que nos encaminha aos sites, também, neste caso, tomados como arquivos, já que cada site comporta um certo número de textos e links. E o processo que envolve a seleção de alguns textos e a exclusão de todos os outros forma, ainda, um novo arquivo. E sempre há um mecanismo de articulação interna ao arquivo, que regula a inserção de alguns elementos e a exclusão de outros.

A partir de pressupostos como estes, tomo como objeto de análise, neste espaço virtual, o discurso imagético sobre a liberdade, procurando evidenciar o funcionamento desse discurso e buscando mostrar como, neste meio virtual, e através do Google, se estabelece o controle sobre o dizer e sobre o sentido.

Google e Liberdade

 

Na tentativa de me manter dentro do espaço virtual, procuro, no espaço do Google, a designação liberdade. E descubro, de imediato, que neste site posso encontrar aproximadamente  9.700.000 resultados.

Encontro também uma lista de links sobre  liberdade, dos quais  destaco os cinco primeiros: 1) Wikipedia, a enciclopédia livre; 2) Liberdade / Resumos para pesquisas e trabalhos; 3) Liberdade / Coletânea de frases e pensamentos; 4) Notícias sobre liberdade; 5) Imagens de liberdade

Inicia, com tais links, a construção deste arquivo virtual sobre liberdade.

Em função do que me proponho neste trabalho,  foco minha atenção sobre  o link “Imagens da liberdade”. Ali, constato então que estão disponíveis, para pesquisa, aproximadamente 353.000 resultados.

A apresentação do link é constituída por algumas imagens, que são, na verdade, as primeiras a que se tem acesso quando continuamos o caminho de busca pelo material. Vejamos:

 

1                                            2                                    3                                 4                              5

Como é possível observar, as imagens são muito semelhantes. Elas são colocadas lado a lado, dando a impressão de uma imagem única, de um “quadro” que define, através do não-verbal, de forma inequívoca e inquestionável, a liberdade.

Nesta materialidade imagética, vemos pessoas diante da natureza – mar, horizonte, céu, sol –  em toda sua imensidão e, eu diria, em todo seu mistério. Notamos que as pessoas estão de braços abertos. Mesmo na imagem 4, na qual vemos não uma, mas duas pessoas, de mãos dadas, a junção dos braços remete ao mesmo formato dos braços abertos. Em duas das imagens, (4 e 5), vemos também pássaros voando. E, na  imagem 4,  vemos uma gaiola (antítese da liberdade) aberta.

Remeto-me, então, à definição de liberdade e, para isso, mantenho-me no espaço virtual do Google e vou ao link Wikipédia. Ali, encontro: “Liberdade, em filosofia, designa de uma maneira negativa, a ausência de submissão, de servidão e de determinação, isto é, ela qualifica a independência do ser humano. De maneira positiva, liberdade é a autonomia e a espontaneidade de um sujeito racional. Isto é, ela qualifica e constitui a condição dos comportamentos humanos voluntários.”[1]

Não vou me estender na análise desta distinção, mas chamo atenção para o fato de que, nestas imagens, é privilegiado apenas o sentido de independência, de comportamento humano voluntário. Mas não o de ausência de submissão, de servidão. Ou seja: na elaboração deste arquivo, tais sentidos são silenciados, apagados. Dizem respeito ao que não deve ser dito.

 

 

Lembro então as palavras de Orlandi, na obra As formas do silêncio, quando a autora, estudando o silêncio, diz que o mito de que a linguagem só pode ser entendida como transmissão de informação leva a estabelecer uma relação biunívoca entre um objeto determinado e o seu sentido.

Desta forma, podemos dizer que, na constituição desse arquivo imagético sobre liberdade, busca-se a produção de um sentido único, que beira a literalidade. Pensando nas condições de produção desse discurso, que incluem o fato de ilustrarem, com destaque, o link Imagens de liberdade, podemos dizer que tais imagens ficam dotadas de uma certa “autoridade”  e adquirem o estatuto de representação da liberdade. Nesta representação, em que a liberdade é significada pelo contato com a natureza e pela representação metafórica do voar, muitas outras são silenciadas, excluídas. É como se esta fosse a única representação não-verbal  – ou, pelo menos, a mais autorizada – para a liberdade.

Temos aqui, então, uma relação de parafrasagem de imagens, ou seja, a produção de um efeito de sentido que mantém o dizer no nível do mesmo, na mesma matriz de sentido.

Adentrando pelo link, e clicando sobre cada uma das imagens, encontramos, para cada uma delas,  um texto, um correspondente verbal.

Considero este jogo entre os dois tipos de expressão – verbal e não-verbal – extremamente importante nesta reflexão, já que nos permite perceber mecanismos de apreensão do verbal através do não-verbal e de sustentação do não-verbal por meio do verbal.

Por isso, farei um breve apanhado do que encontrei nos textos[2] a que fui conduzida a ler, quando tive contato com as imagens.

Imagem 1:

 

Texto 1: A imagem nos leva ao blog “Filosofias da liberdade: um diálogo Oriente e Ocidente”, que faz a divulgação de um Curso de pós-graduação em Filosofia, convida a pensar sobre a liberdade pensada sob a ótica de diversas tradições e correntes de pensamento e afirma: Consideramos o tema universal e atemporal, ou seja, discutir a liberdade sempre fez e fará sentido.”

Podemos perceber que a imagem que sustenta o texto verbal não tem relação direta com ele, mas sim com uma representação de liberdade estabelecida pelo senso comum e com a qual se identificam os produtores do site.

 

 

Imagem 2:

 

Texto 2: Esta imagem da liberdade nos conduz a um blog denominado “A liberdade humana sem limites”, da autoria de uma mulher que se descreve da seguinte forma:

Quem sou eu

Sou uma mulher comprometida com Deus e com minha família. Esse blog vai falar exatamente disso do Autor e Consumador da minha fé e da minha Família. Na casa de Deus sou: Serva, Diaconisa, Dir. de libertação, Prof.de EBD, trabalho com adolescentes e jovens e por misericórdia prego a palavra de Deus. Em casa sou, Esposa, Mãe, Vó, Amiga, Mulher, Guerreira e etc. rsrs

Interesses

Tenho interesse em manter viva a chama da fé nos corações daqueles que servem a Deus. E levar ao coração daqueles que ainda não conhecem a palavra a certeza de que existe num Deus vivo que tudo pode.

 

O discurso é de cunho religioso e a autora identifica-se com uma FD cristã, assumindo uma posição-sujeito que a identifica com um dizer em que, à boa cristã, cabe ser serva, pregar a palavra de Deus por misericórdia, manter viva a chama da fé nos corações, levar a palavra de Deus.

Pela posição assumida pela autora, está é, portanto, a ideia de “liberdade humana sem limites”.

Mais uma vez, podemos constatar que a imagem que nos conduz ao site constitui-se em uma representação imagética da liberdade, mas que nada, nela, nos faz lembrar no discurso religioso ali produzido.

 

Imagem 3:

 

Texto 3: A imagem nos leva ao site “Pró-mulher – vida com propósito”, onde sob o título “Liberdade”, encontramos o seguinte texto:

Um rato impotente encurralado por um gato feroz foi salvo por um cão pastor generoso, porém após o heróico salvamento o ratinho andava displicente, pelos arredores da casa grande, na fazenda onde moravam. Uma cobra o seduziu com seu chocalho continuo e de baixo tom, hipnotizou-o e conduziu a sua toca da qual o ratinho jamais saiu.

Às vezes somos como o ratinho da fazenda, fomos salvos das garras cruéis de satanás, heroicamente por Jesus, o grande salvador do universo. Ficamos livres do pecado das prisões carnais, situações que, em uma velocidade impressionante nos levariam a morte, não só física, mas psicológica, sentimental, moral etc.

Somos convidados por Jesus a termos uma vida de liberdade saudável, poder pensar, decidir, nos relacionar com Deus como filhos. E filhos têm direitos, deveres para com seus pais, sobre tudo, porém, amam e são intensamente amados. Não têm do que se envergonhar, muito menos obedecerem a ritos e fórmulas para se achegarem, apenas devem  nutrir uma relação de obediência e valorização com seus pais para desfrutar do amor mais lindo já conhecido, o amor de pai para filho.

Para que possamos ter esse relacionamento saudável com nosso Pai celestial, temos que permanecer firmes e concentrados, sempre lembrando que Cristo nos libertou para a liberdade em Deus, no entanto inúmeras vezes na história, nós filhos de Deus, libertos por Cristo, agimos com displicência e somos seduzidos por serpentes cruéis que querem tirar de nós a liberdade.

As serpentes são maquiavélicas elas não dão o bote no ratinho com voracidade, como faz o gato, ela seduz com sutileza e o ratinho a segue sob êxtase, sem gritar. Seu fim é trágico, quando estamos nas garras do gato cruel estamos sob pressão, ai manifestamos o desejo de sair daquela situação, porém quando envolvidos e seduzidos, surge uma situação de grande risco que começa com o displicente anseio egocêntrico pelo comodismo, e a solução veloz de nossos problemas sem muito perseverar.

Devemos permanecer em Cristo, jamais nos deixar ser reféns de sistemas humanos que em nome de Deus querem prender, programar nossa mente privando-nos da verdadeira liberdade. É em Jesus que devemos permanecer. Nele devemos confiar e a Ele ser fiéis. Satanás é o gato que quase nos destruiu, porém Cristo com seu grande poder, na cruz, nos libertou.

As serpentes estão a nosso redor querendo nos seduzir, as serpentes são os sistemas humanos encabeçados por homens e mulheres, pedantes, que se julgam donos das pessoas e de sua mente, não querem que a verdadeira liberdade flua do interior de cada indivíduo, restaurado por Jesus Cristo, a uma posição de rei e sacerdote. Ser preso ou não por essas serpentes, depende de cada um que foi liberto por Cristo, pois permanecendo nele, vamos deixar nossas necessidades entregues em seu altar e jamais depositaremos nossa esperança de realização em homens. Assim não seremos seduzidos pelos sistemas humanos que ditam regras de como deve ser desenvolvida nossa vida com Cristo, viveremos de fato uma vida com Cristo.

Esses sistemas nada mais são do que o êxtase humano de sentimentos insanos pelo poder e controle sobre outros, por líderes que na verdade não são líderes, querem submeter pessoas não a Cristo, mas a jugos de escravidão humana que leva a morte espiritual.

Permaneça firme em Jesus Cristo, e não se submeta de novo a jugo de escravidão.

 

Também aqui encontramos um discurso religioso, no qual os autores desenvolvem um conceito de liberdade saudável, relacionando-a ao poder de Cristo, a Jesus, o grande salvador do universo.

O discurso, portanto, também se inscreve em uma FD cristã, na qual a liberdade é o oposto de pecados das prisões carnais.  Os responsáveis por tais pecados e pela falta de liberdade são serpentes crueis, gatos ferozes, satanás, homens e mulheres pedantes, e os sentimentos insanos pelo poder.

Como podemos perceber, este discurso, embora se inscreva na mesma FD em que se inscreve o discurso anterior, identifica uma posição-sujeito diferente, na medida em que revela até um certo fanatismo, percebido pelas marcas lingüísticas.

E, novamente, a imagem em nada nos reporta ao tipo de discurso que vamos encontrar.

Imagem 4:

 

 

 

 

Texto 4: A imagem nos leva a um blog de autoria de uma adolescente, que se denomina “Paty”. Ali, encontramos, entre outras coisas:

 

Oração divertida:

Senhor me ajude a nunca desistir de ser mulher. Coloque um espelho no meio do meu caminho entre a lavanderia, o supermercado, o sapateiro....E que, ao me olhar, eu goste do que vejo. Não deixe que eu passe uma semana sem usar batom bem vermelho, uma bota bem alta ou um jeans bem justo. Proteja meus cabelos do vento, os brinco e anéis dos olhares invejosos. Nunca deixe faltar na minha vida comédias românticas e boas depiladoras.

Ai q delicia!

Orgasmos são pontos de exclamação. Nem vírgulas, nem pontos finais ou interrogações. A gente não quer perguntas, quer gemer. De preferência, com superlativos. Nenhum orgasmo que se preza despreza um "Ah!". Ou vários. Em altos e solidários decibéis, ultrapassam paredes e excitam vizinhos. Em baixo volume, lembram um ataque de asma, tiram-nos todo o ar dos pulmões, deixam-nos inertes sobre o capô do carro. É a pequena morte. De quatro, de pernas pro ar, na praia, no estacionamento do shopping, orgasmos não têm forma, nem método ou manual. Sim, métodos manuais ajudam a chegar lá. Lingüísticos também.

No final do blog é que aparece a imagem, antecedida do seguinte enunciado:        " ...temos liberdade para irmos aonde quisermos e ser o que somos...".

O discurso é outro, aqui. Um discurso produzido sob condições de produção diferentes, que revela o universo adolescente, com suas brincadeiras, com a descoberta  e a vivência do sexo.

A alusão à liberdade é para falar de autonomia, independência, e isso revela a posição-sujeito da autora do blog. Aqui, nada lembra o discurso religioso a que as imagens anteriores nos reportaram.

Mas esse discurso é representado, na linguagem não-verbal, por uma imagem muito semelhante às que representam o discurso religioso.

Imagem 5:

Texto 5: A imagem nos conduz ao blog “Diário de Bordo”  e ao texto “O tamanho das pessoas”, com autoria atribuída a William Shakespeare, que reproduzimos abaixo:

“Os tamanhos variam conforme o grau de envolvimento…

Uma pessoa é enorme para você, quando fala do que leu e viveu, quando trata você com carinho e respeito, quando olha nos olhos e sorri destravado.

É pequena para você quando só pensa em si mesma, quando se comporta de uma maneira pouco gentil, quando fracassa justamente no momento em que teria que demonstrar o que há de mais importante entre duas pessoas:

A Amizade,

O Carinho,

O Respeito,

O Zelo,

E até mesmo o Amor.

Uma pessoa é gigante para você quando se interessa pela sua vida, quando busca alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto com você. E pequena quando desvia do assunto.

Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro, quando age não de acordo com o que esperam dela, mas de acordo com o que espera de si mesma.

Uma pessoa é pequena quando se deixa reger por comportamentos clichês.

Uma mesma pessoa pode aparentar grandeza ou miudeza dentro de um relacionamento, pode crescer ou decrescer num espaço de poucas semanas.

Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande. Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo.

É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos. Nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações.

Uma pessoa é única ao estender a mão, e ao recolhê-la inesperadamente, se torna mais uma. O egoísmo unifica os insignificantes.

Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande…

…é a sua sensibilidade, sem tamanho…”

 

Neste texto, não há nenhuma referência ao conceito de liberdade, nem mesmo a palavra é citada.

E isto nos faz pensar que sua inclusão entre as “imagens da liberdade” se deve a um gesto de interpretação de quem elabora o link.

 

O sentido da liberdade: entre o não-verbal e o verbal

 

Examinar o funcionamento desse discurso verbal sobre a liberdade, produzido em ligação com uma imagem sobre liberdade, me leva a refletir nesse jogo que, na Internet, e no Google, se estabelece entre verbal e não-verbal.

No corpus em análise neste trabalho, as imagens revelam uma relação de paráfrase, ou seja, um processo em que procura estabelecer, pela reiteração de uma mesma representação material, uma homogeneização e uma contenção do sentido. Assim, não são apresentadas para significarem por si mesmas, mas para significarem uma concepção de liberdade que se pretende estabelecer como legítima, verdadeira.

Cito então Souza, quando a autora, no trabalho “A análise do não verbal e os usos da imagem nos meios de comunicação”, propõe-se, tendo como base teórica a Análise do Discurso, a discutir a questão da materialidade da linguagem verbal e não-verbal com vistas à formulação de um campo novo de descrição e análise do não-verbal, aquele que não vai pressupor o repasse do não-verbal para o verbal.

Segundo a autora, ao se estender o não-verbal através do verbal, corre-se o risco de um reducionismo na própria conceituação de linguagem, pelo fato de esta ser pensada em relação ao signo lingüístico; corre-se o risco de descrever, de “traduzir” a imagem.

Não é isso que verificamos neste corpus: as imagens nos levam a textos verbais que não se constituem em descrições dessas imagens; pelo contrário, na relação não-verbal/verbal as imagens são esquecidas, ignoradas.

No link Imagens da Liberdade, as imagens são usadas para sustentar discursos produzidos com textos verbais, seja sobre o conceito de liberdade, seja sobre o discurso religioso, seja sobre algo que nada tem a ver com liberdade.

Algo mais ocorre nesta passagem do não verbal para o verbal. Apoio-me mais uma vez em Souza: “Reduz-se a imagem a um dado complementar, a acessório (ou cenário), destituindo-lhe o caráter de texto, de linguagem”.

É isso que, na minha perspectiva, acontece aqui: as imagens sobre liberdade  são ilustrações daquilo que, neste processo de agrupamento no ciberespaço, se considera um bom cartão de visitas para representar, imageticamente, a liberdade.

A imagem, quando “transformada” em texto, pelo acesso aos blogs ou sites, se dilui, se torna secundária, e o verbal se superpõe ao não –verbal.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do Google como arquivo, através do exame das imagens da liberdade, me fazem pensar nas palavras de Pêcheux (1994: 57), quando o autor afirma que os aparelhos de poder geram uma memória coletiva. Pêcheux lembra que isso ocorre desde a Idade Média, na divisão que permitia que alguns clérigos fossem autorizados a falar, a ler e a escrever em seus nomes, enquanto havia o conjunto de todos os outros.

Penso então no papel social deste ciberespaço e deste imenso  arquivo virtual que é o Google.

E trago mais uma vez as palavras de Pêcheux (op.cit.: 60): “Não considerar os procedimentos de interrogação de arquivo como um instrumento neutro e independente (...) é se iludir sobre o efeito político e cultural...”. E o autor diz ainda: “Não faltam boas almas se dando como missão livrar o discurso de suas ambiguidades, por um tipo de ‘terapêutica da linguagem’ que fixaria enfim o sentido legítimo das palavras, das expressões e dos enunciados.”

O Google, ao produzir esta seleção de imagens como porta de entrada do link “Imagens da Liberdade”, produz este efeito de homogeneidade, silencia, exclui, apaga outros sentidos.

E, ao selecionar imagens que nos conduzem essencialmente a textos de cunho religioso e/ou moralizantes, produz uma espécie de policiamento e de controle dos outros sentidos, apagando, dali, inúmeras outras representações imagéticas de liberdade.

Apagamento ideológico, portanto, que cria a ilusão de Todo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MITTMANN, Solange. Redes e ressignificações no ciberespaço. In: Lucília de Souza Romão, Nádea Gaspar. (Org.). Discurso midiático: sentidos de memória e arquivo. São Carlos: Pedro e João, 2008, p. 113-130.

ORLANDI, Eni. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 1993.

PÊCHEUX, Michel. Ler o arquivo hoje. In; ORLANDI, Eni. Gestos de Leitura: da história no discurso. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 1994.

SOUZA, Tania Clemente de. A análise do não verbal e os usos da imagem nos meios de comunicação. Disponível em:  Ciberlegenda, Número 6, 2001.

http://patysan.blog.uol.com.br/arch2008-09-14_2008-09-20.html

http://clarear.net/blog/filosofias-da-liberdade/

http://colunas.digi.com.br/lucas/dois-tipos-de-liberdade/

http://diariograsiela.wordpress.com/2008/07/29/o-tamanho-das-pessoas/

http://blig.ig.com.br/vidacomproposito/2009/04/20/liberdade/

 

 

 

 

 

 



[1] A distinção entre estes dois tipos de liberdade foi proposta por Isaiah Berlin, professor de filosofia de Oxford. E, rastreando os termos no Google – para não me afastar do espaço virtual – encontro uma maior explicitação para esses termos: que no conceito de liberdade negativa cabem  todas aquelas liberdades que existem por si mesmas – e que continuarão a existir desde que ninguém as tome; que liberdade positiva é “possibilidade de agir”, ou seja, é a capacidade de realizar algo de fato.

 

[2] Pelo fato de o foco deste estudo serem  as imagens, e pela limitação de espaço deste artigo, não reproduzo na íntegra os textos encontrados.