AS APRENDIZAGENS DE UM PILOTO NO ENSINO DA ESCRITA ACADÊMICA

 

 

Clarice Vaz Peres Alves (UFPEL)

Magda Floriana Damiani ( UFPEL)

 

 

Introdução

O presente artigo reúne algumas aprendizagens adquiridas pela professora–pesquisadora sobre o ensino da escrita no contexto acadêmico. Essas aprendizagens foram construídas por meio de um projeto de ensino piloto ministrado para um grupo de estudantes de diferentes semestres do Curso de Pedagogia, em uma universidade pública. O projeto foi desenvolvido durante um semestre e norteado por dois grandes objetivos. O primeiro, implementar e avaliar uma intervenção pedagógica voltada ao aprimoramento da escrita acadêmica, analisando a importância das relações interpsicológicas no desenvolvimento da consciência e do controle dos estudantes acerca de seus processos de escrita. E o segundo, analisar a contribuição do aprimoramento das atividades de escrita na qualificação das funções mentais superiores como a capacidade de planejamento, o pensamento abstrato, a atenção voluntária, o comportamento intencional. As reflexões empreendidas neste texto estão embasadas pela perspectiva Histórico-Cultural, propalada por Lev Vygotsky e seus colaboradores.

Entendemos que apropriação dos conhecimentos produzidos pela humanidade ao longo de seu desenvolvimento está condicionada às relações que o indivíduo estabelece com as práticas de leitura e de escrita nas instituições de ensino. Assim, defendemos que a formação de leitores e escritores competentes é um dos maiores desafios do sistema educacional,

Não raro, ouvimos professores comentando, tanto no contexto acadêmico como na Educação Básica, as dificuldades que seus alunos apresentam para realizar, de forma satisfatória, a leitura crítica de um texto e a redação de um escrito coeso e coerente. No que diz respeito à produção de textos acadêmicos, estudos como os de Oliveira & Santos (2005), Marin & Giovanni (2007), Cunha & Santos (2006) e Damiani (2010) confirmam que grande parte dos alunos de nível superior não possui a competência esperada na composição textual. As pesquisas sobre o tema revelam que os estudantes, de uma forma geral, apresentam grande dificuldade em trabalhar com a macro e com a microestrutura do texto. Na maioria vezes, manifestam, em seus textos, carência de conhecimento sobre os elementos da textualidade. Desconhecem a importância de a escrita e a oralidade serem compreendidas como dois códigos distintos. “Esquecem” ou não têm consciência de que é necessário, no momento da redação, construir a imagem do leitor. Enfim, aspectos que devem estar presentes na constituição de um texto são ignorados por grande dos alunos-escritores no momento da escrita.

Em virtude dessa situação, afirmamos que o ensino da escrita precisa ser repensado, necessitando de uma atenção especial por parte dos educadores e dos educandos. As falhas de aprendizagem sobre a redação de textos na Educação Básica vem se revelar, mais tarde, no contexto acadêmico, o que é extremamente sério. Sabemos que não cabe à universidade resolver as lacunas relacionadas à escrita trazidas pelos egressos da Educação Básica. Todavia, julgamos importante que as instituições formadoras reflitam sobre o assunto e busquem alternativas, de acordo com suas possibilidades, para que os acadêmicos, em especial os dos cursos de formação de professores, sejam escritores competentes e tenham condições de proporcionar atividades de prática de texto que propiciem aprendizagem a seus alunos.

Assim, a realização do projeto de ensino buscou promover o desenvolvimento e o aprimoramento das competências, habilidades e estratégias essenciais para a produção de textos acadêmicos para estudantes de Pedagogia, bem como analisar o desenvolvimento das funções mentais superiores por meio da qualificação da escrita. Esse projeto, durante sua implantação, nos proporcionou diversas aprendizagens sobre o ensino da escrita no contexto acadêmico, as quais julgamos importante compartilhar com outros pesquisadores a fim de que possamos contribuir com os diversos estudos sobre a escrita.

O texto a seguir está organizado da seguinte forma: primeiramente, apresentamos algumas considerações teóricas sobre os conceitos-chave que embasaram os objetivos propostos para o desenvolvimento do projeto piloto. A seguir, discutimos o percurso metodológico que proporcionou a coleta de dados e, por fim, comentamos as aprendizagens adquiridas ao longo do desenvolvimento desse projeto.

 

 

Breves Considerações Teóricas sobre os seguintes conceitos: funções psicológicas superiores; processos inter e intrapsicológico; consciência e controle.

 

Para Vygotsky (2000), a linguagem é uma das ferramentas do pensamento. É o sistema simbólico responsável pelo desenvolvimento do ser humano. O autor defende que é por meio de um movimento dialético do social para o individual que o indivíduo se constitui, internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais e formando a própria consciência. Vygotsky (2000) denominou esse movimento do social para o individual      de processos interpsicológico e intrapsicológico, respectivamente.  A formação social da mente humana, mediada pela linguagem, é o pilar das ideias vygotskyanas. Nessa perspectiva, a formação intelectual e o funcionamento psicológico do homem estão alicerçados nas relações sociais e no contexto histórico-cultural do qual faz parte.

As funções psicológicas superiores são definidas por Vygotksy (1995) como ações especificamente humanas, que envolvem controle consciente. A capacidade de planejamento, o pensamento abstrato, a atenção voluntária, o comportamento intencional, ações conscientemente controladas, associações, entre outras, são funções psicológicas superiores presentes apenas nos seres humanas e que se desenvolvem por meio do movimento inter e intrapsicológico. Com efeito, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores ocorre por meio de dois movimentos distintos – primeiro, o social e o segundo, o individual, entretanto, ambos estão interligados e desempenham funções diferentes.

As funções, segundo o autor, são “superiores” porque estão relacionadas às ações intencionais e controladas pelo sujeito. Vygotsky (1995) esclarece que os processos mentais superiores não são inatos, mas seu desenvolvimento depende de intervenção externa. Elas diferem, pois, das funções psicológicas elementares, que são de origem biológica. São consideradas funções psicológicas elementares as reações automáticas, ações reflexas, associações simples, entre outras que não exigem controle consciente e estão presentes nos animas e na criança pequena. Segundo Angel Pino (2005, p.89), as funções psicológicas elementares estão no “plano da natureza” e as funções psicológicas superiores estão no “plano da cultura”, existindo, simultaneamente, uma “ruptura” e uma “continuidade” entre elas. Isso quer dizer que o desenvolvimento das funções superiores dependente da existência das funções elementares, entretanto, a existência destas não garante o desenvolvimento daquelas, pois o desenvolvimento das superiores está fundamentado nas relações sociais e culturais da qual o sujeito faz parte.

Outra contribuição importante que Vygostsky (2000) propõe para entendermos o desenvolvimento intelectual do ser humano é a diferenciação entre dois tipos de conceitos: os científicos e os espontâneos. Os conceitos são entendidos por Vygotsky (2000) como construções culturais, internalizadas pelo indivíduo ao longo de seu desenvolvimento intelectual, por meio das relações sociais. Em outras palavras, um conceito é uma generalização. Para o autor, os conceitos científicos são internalizados por meio de atividades específicas para esse fim, por exemplo, a instrução formal. Segundo Vygotsky (2000), são os conceitos científicos que possibilitam ao estudante desenvolver a consciência e o controle sobre seus processos mentais.  Já os conceitos espontâneos são construídos por meio da observação, da vivência da criança e de suas interações com o meio em que está inserida, não havendo um ensino organizado especificamente para esse fim, como ocorre com os conceitos científicos.  Vygotsky (2000, p. 243) menciona que

 

[...] no campo dos CC ocorrem níveis mais elevados de tomada de consciência do que nos CE. O crescimento desses níveis mais elevados no pensamento científico e o rápido crescimento no pensamento espontâneo mostram que o acúmulo de conhecimento leva invariavelmente ao aumento dos tipos de pensamento científico, o que, por sua vez, se manifesta no desenvolvimento do pensamento espontâneo e redunda na tese do papel prevalente da aprendizagem no desenvolvimento do aluno escolar.

 

 

Embora esses dois tipos de conceitos apresentem diferenças quanto à constituição, eles estão intimamente imbricados e se influenciam mutuamente.

Vygotsky (2000) argumenta que a construção dos conceitos científicos é a “mola propulsora” de novas formas de pensamento e que a “tomada de consciência passa pelos portões dos conceitos científicos” (p.290). Dessa forma, como esclarece Vygotsky (2000), o processo educativo desempenha função importantíssima no desenvolvimento mental, pois quando, na escola, há momentos propícios a aprendizagem dos conceitos científicos, estes superam os espontâneos, e, assim, possibilitam ao indivíduo consciência e controle sobre o conteúdo internalizado.

Assim, entendemos que o contexto educacional desempenha um papel fundamental, em nossa sociedade, no desenvolvimento das funções psicológicas superiores do indivíduo e que esse desenvolvimento se dá por meio de ações conscientemente controladas, mediadas pela linguagem. Essas ações conscientemente controladas são internalizadas com a ajuda externa, que pode ser do professor ou de um colega mais desenvolvido –, denominado por Vygostsky (1995) de processo interpsicológico.

Esse processo interpsicológico contribui significativamente com a qualificação de um texto, já que este, como afirma Koch (2010, p.13) “é um evento sociocomunicativo que ganha existência dentro de um processo interacional. Todo o texto é resultado de uma coprodução entre interlocutores [...].” Com efeito, a participação do outro - professor ou colega – na construção e na reconstrução do texto contribui com o redator para que este adquira consciência e controle sobre sua escrita. Segundo Guedes (2009), a tarefa do outro na qualificação do texto escrito é ajudar o escritor “a descobrir o que ele queria dizer e a reescrever a primeira versão para fazê-lo dizer isso” (p.14).

Sabemos que escrever um bom texto exige conhecimento de diversos aspectos, como afirma Koch (2010, p. 31), “de natureza variada (linguística, cognitiva, pragmática, sócio-histórico e cultural). O bom escritor precisa dar conta da macro e da microestrutura textual. Kato (1993, p. 134) explica que a dificuldade que o escritor enfrenta como redator “decorre do fato de a redação exigir dele habilidades não só de produtor com também de interpretador”. Cassany afirma que (1999, p. 139) “Entre estes dois extremos, a expressão das idéias e a compreensão, costuma produzir-se diferentes operações intelectuais.” Portanto, escrever um texto envolve complexos processos mentais, além dos aspectos linguísticos e discursivos, por isso, o processo interpsicológico no desenvolvimento da consciência e do controle sobre a prática de textos é essencial.

Wells (2001) entende que tanto a produção como a compreensão de um texto supõe um esforço construtivo mental e físico por parte do indivíduo para que alcance os objetivos propostos. Assim, o processo interpsicológico é essencial para o desenvolvimento da autonomia do indivíduo frente ao texto escrito. Por meio desse movimento, o indivíduo resolve mais facilmente tarefas que sozinho, encontraria dificuldade para realizá-las.

Vygotsky (2000) ratifica a importância do processo interpsicológico para o desenvolvimento do indivíduo ao propor, em suas pesquisas, o conceito de Nível de Desenvolvimento Real ( NDR) e o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). O autor entende que a Zona de Desenvolvimento Proximal abriga o conhecimento que está em broto, que ainda não “amadureceu”, porém, mesmo “embrionário” esse conhecimento está presente no aluno. Já o Nível de Desenvolvimento Real é onde o conhecimento já está sedimentado pelo aprendiz. Vygotsky (2000) argumenta que o professor ao voltar-se para o nível de Desenvolvimento Real dos estudantes, direciona um olhar retrospectivo para a aprendizagem deles; quando trabalha na Zona de Desenvolvimento Proximal propõe um olhar prospectivo para aprendizagem de seus alunos. Segundo a perspectiva vygotskyana, o professor deve atuar como mediador, intervindo e mediando a relação do aluno como o conhecimento, criando ZDPs para desenvolver a informação que ainda não atingiu o nível de desenvolvimento real. Assim, o contexto educacional e o professor podem ser entendidos como “peças” motrizes e indispensáveis no processo de ensino, de aprendizagem e de desenvolvimento mental do educando. Oliveira (1993, p.62) confirma que “[...] a intervenção é um processo pedagógico privilegiado. O professor tem o papel explícito de interferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente.” Dessa forma, tanto o aluno como o professor desempenham um papel ativo no processo de apropriação do conhecimento, consequentemente, no desenvolvimento intelectual do educando.

De acordo com o que foi exposto, concluímos que o desenvolvimento mental do indivíduo parte do social para o individual e que o professor deve, no contexto educativo, não apenas focar no ensino de conteúdos conhecimento, mas, principalmente, mobilizar e orientar o estudante à aprendizagem, para que ele tenha condições de se apropriar do conhecimento científico presente no ensino formal.

 

Percurso Metodológico

Tendo em vista que o objetivo deste estudo é avaliar como uma intervenção, baseada em atividades de escrita processual, pode gerar no estudante a tomada de consciência sobre os próprios problemas da escrita, desenvolver o exercício de controle sobre essa escrita para aprimorá-la e promover o desenvolvimento de funções psicológicas superiores, realizamos o trabalho dentro do paradigma de pesquisa qualitativa. O modelo mencionado vem ao encontro dos objetivos a que o estudo se propõe, uma vez que a pesquisa qualitativa prioriza o processo, procurando descrever e compreender o fenômeno estudado (DEMO, 1990). As práticas educacionais são, pois, melhor caracterizadas por meio da realidade qualitativa, já que esta não admite interpretações isoladas. Assim, os dados deste estudo foram coletados em uma situação real de ensino, ou seja, no espaço da sala de aula

Os sujeitos que constituíram o corpus do estudo piloto foram estudantes, de diferentes semestres, do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pelotas.  O piloto foi realizado no âmbito de uma Atividade Complementar de Graduação (ACG) ofertada com o título Prática de Textos para o desenvolvimento das habilidades de escrita e ministrados pela professora - pesquisadora, sob a responsabilidade da professora-orientadora deste estudo, Como é uma disciplina de ACG, não há pré-requisito para cursá-la, por isso, nelas inscreveram-se alunos de diferentes semestres do Curso de Pedagogia

A escolha pelo referido curso foi resultado de uma pesquisa da qual participamos, coordenada pela professora orientadora deste estudo, sobre a escrita dos acadêmicos do Curso de Pedagogia. O estudo diagnóstico foi desvelador de uma ausência de qualidade na escrita desses acadêmicos, futuros professores, sinalizando, dessa forma, para uma urgente atenção por parte da instituição formadora.

Os encontros, com o grupo de acadêmicos que constituíram a turma[1], eram realizados semanalmente, das 13h: 30min às 16h.

Objetivando proporcionar às estudantes momentos que lhes propiciassem a redação de um bom texto não só quanto à forma mas também quanto ao conteúdo, optamos por propostas de escrita que permitissem às alunas a construção de um ponto de vista. Assim, as atividades de composição de textos eram de cunho argumentativo. Os textos deveriam apresentar tese, argumentos e conclusão.

No primeiro encontro, solicitamos à turma a leitura do texto (doravante texto-base) sobre a “Abordagem histórico-cultural”, de Fontana e Cruz (1997). A escolha desse texto deu-se pelo fato de o referido tema, além de ser de interesse da pesquisadora, também contempla a formação dessas acadêmicas. É pertinente esclarecermos que explicamos à turma que, no próximo encontro, seriam dadas duas questões sobre o texto em estudo, com o objetivo de avaliar a compreensão do que leram. O verdadeiro propósito das duas questões apresentadas às estudantes foi incentivá-las a ler o texto, pois sabemos, a partir de nossas experiências como educadora, que, muitas vezes, quando não há um objetivo explícito para a leitura, ela não é realizada com dedicação.

No segundo encontro apresentamos as duas perguntas e, após, as estudantes entregarem por escritos suas respostas, solicitamos à turma a redação de um resumo do texto-base. Não foi fornecida nenhuma orientação especial sobre como realizar um resumo, já que esse gênero textual, normalmente, é comum no contexto acadêmico. Esse gênero textual foi escolhido em virtude de ele ser considerado um dos melhores instrumentos para se avaliar a capacidade de compreensão e de expressão escrita do indivíduo. Leite (2006, p. 12) argumenta que “Para o aluno, o resumo é uma estratégia de estudo e, para o professor, um instrumento completo de verificação de aprendizagem, pois permite que sejam trabalhadas, a um só tempo, as habilidades de ler e de escrever.”

A correção dos resumos produzidos pelas acadêmicas contou com um referencial de resposta denominado resumo padrão-ouro que foi elaborado em conjunto com um grupo de educadores das áreas de Letras e de Pedagogia que faziam parte de um grupo de pesquisa, coordenado pela professora orientadora deste trabalho. Objetivamos por meio de este primeiro texto diagnosticar as capacidades de escrita e de compreensão das alunas. Por isso, optamos pelo resumo.

Os demais encontros foram destinados à produção, à revisão e à reescrita de textos. Também trabalhamos os conteúdos linguísticos necessários para dar suporte à redação de um texto qualificado. Esses conteúdos linguísticos foram selecionados, tendo como base as exigências formais do texto escrito e as dificuldades de escrita reveladas pelas estudantes na redação do resumo.

Em todas as propostas de escrita, foram oportunizadas as respectivas revisões – individual e/ou colaborativa. A cada texto redigido, propusemos, pelo menos uma, atividade de revisão, alternando entre a individual e a colaborativa – professor e/ou colega.

Na atividade de revisão individual, as alunas foram alertadas para a necessidade

de alternar os papéis de produtoras para leitoras do texto. Tanto a revisão individual como a colaborativa foi realizada com base em critérios pré-estabelecidos[2] para cada atividade de escrita e discutidos, previamente, com o grupo. Flower & Hayes (1986) defendem que a revisão se torna mais eficazes quando é realizada mediante objetivos estabelecidos.

Na aula seguinte, os textos eram devolvidos às estudantes para que realizassem a revisão individual, pois o distanciamento do texto permite ao aluno analisar melhor o seu escrito, tanto no que diz respeito à forma quanto ao conteúdo.

De acordo com Flower & Hayes (1986), no processo de revisão realizado pelo próprio escritor, ele tem acesso às suas intenções. Esse acesso é um aspecto positivo, porque se houver algum problema entre a intenção do redator e o texto, o escritor-leitor será capaz de resgatá-lo.  No entanto, o conhecimento das próprias intenções pode impedir o escritor de perceber os desajustes de seu texto, uma vez que para ele (leitor-escritor) o sentido pretendido é o único possível de ser abstraído. Já na revisão colaborativa, o aluno-escritor tem a oportunidade de discutir e negociar com um colega aspectos de sua produção textual. Porém, o leitor-revisor tem acesso indireto, por meio do texto, às intenções do escritor, o que pode dificultar a percepção dos possíveis desajustes do texto. Percebemos que há limitações nas duas modalidades de revisão, todavia, essas limitações não invalidam a eficácia dessa atividade na apropriação das habilidades textuais.

Na situação de revisão colaborativa, o estudante contou com a ajuda de outro leitor que, individualmente, lia o texto e fazia anotações, ao final do texto ou numa folha anexada ao escrito, dos problemas que considerava necessários à melhoria.  Posteriormente a esse momento, o revisor discutia com o redator, os problemas encontrados e fazia sugestões à melhoria do trabalho, ficando a cargo do escritor a liberdade aceitá-las ou não.

Após cada etapa de revisão de textos – individual ou colaborativa – os escritores faziam as alterações que julgavam pertinentes à adequação do texto e o reescreviam. Tanto as atividades de revisão individual como colaborativa foram gravadas e transcritas posteriormente. Esse procedimento permitiu - nos avaliar o aprimoramento das funções mentais superiores das estudantes nas atividades de composição e de revisão de textos. Também foram registrados os comentários e acontecimentos verbalizados pelas alunas, pertinentes ao estudo, procedimento este que permitiu a análise detalhada do processo e da participação do revisor na reconstrução dos textos, ou seja, a análise da contribuição dos processos inter e intrapessoal na apropriação das práticas textuais.

Considerações sobre as aprendizagens construídas durante o desenvolvimento do projeto Piloto

Julgamos pertinente destacar que o objetivo deste trabalho, conforme já mencionamos no início deste texto, não é discutir os dados coletados durante a realização do Projeto Piloto, mas comentar as aprendizagens sobre o ensino da escrita no contexto acadêmico, adquiridas nesse período de implantação do projeto.

Muitos estudos têm abordado o ensino da escrita. No entanto, parecem que esses estudos não ultrapassam as instituições que os realizam, pois a escola, lugar necessário  à aplicação de novos conhecimentos científicos, continua adotando uma prática de textos de “fazer uma vez só”. Essa situação foi constatada quando solicitamos às acadêmicas as atividades de revisão e de reescrita de seus textos. Grande parte das estudantes verbalizou que não possuía o hábito de reescrever o texto, apenas realizava algumas revisões relacionadas aos aspectos mecanicistas da linguagem. O encadeamento lógico das ideias dentro do parágrafo e a própria estrutura do parágrafo argumentativo não eram contemplados nas raras revisões que as alunas realizavam espontaneamente.

A ausência de reflexão sobre o que escreviam também foi constatada quando solicitamos a estrutura tese, argumentos e conclusão. As alunas apresentaram dificuldades significativas quanto às questões de conteúdo. Na maioria vezes, na primeira versão, os textos não continham uma tese ou apresentavam a tese, todavia, a argumentação não sustentava essa tese. As acadêmicas revelaram grande dificuldade em desenvolver o raciocínio argumentativo. Essa situação comprova a necessidade de a escola trabalhar mais com atividades que propiciem o exercício de pensamento. O ato de pensar criticamente se desenvolve mediante atividades específicas. Sabemos que o desenvolvimento das funções mentais superiores dá-se por meio de uma intervenção externa e neste caso, por isso, a função da escola é tão importante para o desenvolvimento mental do ser humano.

Na segunda versão, houve uma melhoria dos escritos quanto ao conteúdo e quanto à forma. Vale lembrar que estabelecíamos, previamente, os critérios relacionados à forma e ao conteúdo e os explicávamos ao grupo. Além disso, os temas selecionados para escrita eram temas presentes na mídia e também eram, previamente, debatidos com a turma. As alunas conseguiram, por meio dos critérios pré-estabelecidos e por meio de revisão, melhorar seus escritos. O processo interpsicológico desempenhou papel de destaque na qualificação dos textos.

A reescrita com a ajuda do professor ou do colega proporcionou melhorias mais significativas do que as realizadas pelo próprio estudante. Embora tenhamos registrado mais casos de reformulações realizadas com a ajuda do professor do que a realizada com a colaboração da colega, em ambos os casos, o índice das revisões úteis foi considerado bom. Isso ratifica que, em situações partilhadas, independentemente de quem sejam os parceiros e de suas experiências em relação à linguagem, os sujeitos são capazes de perceber diferenças entre a intenção e a execução de um texto e promover melhorias em seus escritos.

Com as conclusões deste trabalho não queremos dizer que as atividades com linguagem nas instituições de ensino devam ser essencialmente reflexivas, mas a escrita de texto precisa ser abordada em um contexto mais propicio a sua aprendizagem do que as perspectivas tradicionais adotadas.

Por meio deste projeto de ensino, percebemos que o professor de escrita deve ser “alguém que escuta” e se aproxima do aluno. No entanto, não deve ser o único a exercer o papel de ouvinte, e sim, o grupo como um todo deve transformar-se em comunidade de ouvintes e juntos construírem reflexões sobre a melhoria do escrito, pois conforme ilustram os dados, muitas vezes, nossos estudantes sabem que seus textos não estão adequados à intenção comunicativa, mas não sabem como reformulá-los.

 

 

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[1] A turma era composta por onze estudantes – todas do sexo feminino.

[2] Os critérios foram estabelecidos pela pesquisadora de acordo com as necessidades detectadas nos textos a ser revisados pelo grupo de estudantes. A pesquisadora realizava uma leitura prévia dos textos e no próximo encontro discutia com o grupo a seleção dos critérios selecionados.