A QUESTÃO DE GÊNERO E AS METÁFORAS

 

Profª Ms. Ediliane Brito de Araújo ¹

RESUMO: Estudos recentes sugerem que a metáfora não deva ser considerada um recurso da imaginação poética apenas ou um ornamento retórico, pois está presente em nossa vida cotidiana, não somente na linguagem, mas no pensamento e na ação. Por isso, esta pesquisa busca salientar a pertinência das metáforas zoomórficas encontradas nos exemplares da revista Capricho, como elementos que comprovam e propagam a desqualificação do sujeito feminino. O apoio téorico necessário para o desenvolvimento desta investigação, no âmbito da Questão de Gênero, provém do que fora proferido por Almeida (2002), Louro (2010, 2007), Scott (1995), Strey (1998; 1999), entre outros. No tocante ao estudo sobre as metáforas, recorreu-se aos postulados de Lakoff & Johnson (2002).

PALAVRAS-CHAVE: Questão de Gênero; Revista Feminina; Metáforas Zoomórficas;

1 - Introdução

 

 

Nos últimos anos, as mulheres efetivaram sua caminhada em direção à autonomia, conquistando direitos e espaços que lhes vinham sendo negados. No entanto, o fato de que estejam ocupando hoje uma posição paralela à do homem não quer dizer que já tenha sido consolidada, de maneira significativa, a ideia de igualdade tão almejada. Observa-se que sociedade brasileira incorporou uma série considerável de mudanças – o número de mães solteiras aumentou, o índice de separações e divórcios também tornou-se elevado, as mulheres passaram a ter um maior controle sobre o seu corpo, etc – interligadas à existência dessa nova mulher atuante e consciente de sua importância, porém, não é raro que ainda a encontremos em posição de inferioridade no universo da política e das relações de trabalho.

A linguagem é considerada o meio através do qual atribuímos sentidos ao mundo e a nós mesmos. Por isso, ela nos oferece comprovações imediatas de como homens e mulheres são vistos nos mais variados espaços sociais.

 

O referente trabalho apresenta reflexões respeito da pertinência das metáforas zoomóficas (analogias implícitas com animais) encontradas em diversos exemplares da revista Capricho, como elementos que comprovam e propagam a desqualificação do sujeito feminino.

 

A intenção de promover observações de tal natureza se deu, justamente, a partir do momento em que nos deparamos com o fato de que esse tipo de metáforas, quando atribuídas às mulheres, carregam conotações negativas, pejorativas.

Tem-se que a metáfora é, para a maioria das pessoas, um recurso da imaginação poética ou um ornamento retórico. Nesse sentido, é comum que ela nos remeta ao que nos foi (e continua sendo ainda) passado através de gramáticas, livros didáticos, apostilas de pré-vestibulares, etc. Por isso, falar em metáfora significa atinar para frases que, geralmente, pertencem aos autores clássicos da nossa literatura. O que é, por assim dizer, natural para muitos, considerando que ela venha sendo vista apenas como uma figura de linguagem e, por sua vez, comporte aspectos tradicionais que a qualificam como tropos .

O corpus de nosso trabalho constituiu-se por textos selecionados da revista Capricho. A escolha desse veículo como objeto de nossas análises, legitima-se de maneira nítida, pois além de figurar como a primeira revista feminina lançada no país, chamando atenção até mesmo em razão de longa existência, hoje, é tida como ícone dentre as demais publicações e atinge uma grande quantidade de adolescentes. Com o intuito de encontrar respostas para as indagações que rondam o assunto, partimos dos seguintes pressupostos: as metáforas zoomórficas evidenciam que o sujeito feminino, ao longo dos anos, tem sido definido em função de sua sexualidade; b) as qualificações metafóricas dessa natureza são vivenciadas corporeamente e c) a disciplinarização dos corpos encontra-se relacionada à propagação de metáforas zoomórficas.

A revista figura como um dos meios de comunicação que fortalece comportamentos e atitudes femininas padronizadas através de sua linguagem e imagens. Acredita-se que a realização desse estudo seja importante por tratar de ocorrências lingüísticas que são encontradas nas páginas da Capricho tendo grande repercussão entre o público ao qual se destina, uma vez que a relevância dos textos que circulam na mídia só pode ser mensurada através de análises da relação entre os tipos de texto e as pessoas que deles tomam posse.

 

 

2 – Apresentando a Questão de Gênero

 

 

Constata-se que a representação discursiva do sujeito feminino, através da mídia, manifesta, com clareza, questões de gênero. Nesse sentido, considerando que desenvolvemos nosso trabalho a partir de um veículo da imprensa escrita, a seguir, apresentaremos breves explanações sobre a abordagem de gênero.

Procurando o termo no Dicionário Houaiss (2001, p.1441), da língua portuguesa, encontramos, dentre outras definições, que se trata de um conceito geral que engloba todas as propriedades comuns que caracterizam um dado grupo ou classe de seres ou de objetos.

Para a Biologia, prevalece o uso taxinômico, responsável pelo agrupamento de espécies relacionadas filogeneticamente, distinguíveis das outras por diferenças marcantes, e que é a principal subdivisão das famílias. A gramática, por sua vez, qualifica gênero como a categoria das línguas que distingue classes de palavras a partir de contrastes como masculino e feminino.

Registra-se que o gênero (do inglês gender) tenha sido tomado de empréstimo e acabou constituindo uma nova categoria de análise das dimensões socioculturais das relações entre seres humanos contrapondo-se a sexo, em razão de suas conotações biológicas.

Tem-se que a diferença entre sexo e gênero foi utilizada, em Antropologia, por John Money (1981), ao se referir a papéis de gênero ao invés de papéis sexuais, para descrever condutas atribuídas a homens e mulheres no contexto das diferentes culturas por ele estudadas. Dessa maneira, gênero definiria melhor as diferenças sociais e culturais construídas e sustentadas pela tradição, em oposição a sexo que se refere ao conjunto das características biológicas. Para o autor, os papéis sexuais são aqueles que a espécie realiza em função de sua diferenciação sexual que, no caso dos seres humanos, permite, por exemplo, ao homem, o papel de fecundante e `a mulher, o de gestar, amamentar, etc. Assim, todas as demais características diferenciais, fora do bios, são estruturadas culturalmente e, portanto, devem ser referidas como papéis sociais ou de gênero.

Vale ressaltar que a distinção entre sexo e gênero nos remete a certos pressupostos que constituem os nós do debate sobre tais conceitos à beira dos anos 90. Ela já implica uma postura crítica ao permitir explicar e deslegitimar a suposta “homologia entre diferenças biológicas e sociais”. No entanto, não considera vários elementos que são hoje seriamente atacados e, entre esses, particularmente, a distinção dual entre natureza e cultura utilizada à maneira de explicação universal.

Joan Scott (1995) aponta, dentro da análise de gênero, as teorias do patriarcado, marxistas e psicanalistas, pois indicam uma tendência a buscarem uma causalidade geral e universal (sexualidade, determinismo econômico, individualismo) para as relações entre o feminino e o masculino.

A concepção de gênero desenvolvida por Scott (1995, p. 86) compõe-se de duas partes distintas, ou seja, para a autora, gênero é: 1°) um fator constitutivo das relações sociais provenientes das diferenças identificadas entre os dois sexos; 2°) uma maneira de dar significação às relações de poder. Sendo assim, o referido posicionamento fundamenta um importante instrumento de análise histórica.

Explicitando melhor suas reflexões, ela afirma que as mudanças na organização das relações sociais sempre correspondem a mudanças nas estruturas relacionadas ao poder, seguindo, no entanto, sentidos diversificados. Assim, gênero constitui-se no

 

meio de decodificar o sentido e de compreender as relações complexas entre as diversas formas de interação humana. Quando as historiadoras buscam encontrar as maneiras pelas quais o conceito de gênero legitima e constrói as relações sociais elas começam a compreender a natureza recíproca do gênero e da sociedade e as maneiras particulares e situadas dentro de contextos específicos, pela quais a política constrói o gênero e o gênero constrói a política (Scott, 1995, p.89).

 

Segundo Pedro (1994), a categoria gênero surgiu para ampliar o conceito funcionalista de papéis sociais, ao precisar a idéia de assimetria e de hierarquia nas relações entre homens e mulheres, incorporando a dimensão das relações de poder. É preciso lembrar que, dentre as formas de dar significado a essas relações, podemos citar a forte influência dos meios sócio-culturais, que exercem uma pressão na distinção das relações de gênero e de poder entre ambos os sexos. Os meios de comunicação de massa atingem homens e mulheres com imagens que associam características masculinas e femininas socialmente desejáveis: para homens: competitivo, desafiador; já para as mulheres, moderada, bela, prudente. É nítido que a mídia contribui de forma significativa na divulgação das diferenças e das desigualdades de gênero, seja utilizando elementos descritivos (como são as diferenças) ou prescritivos (como devem ser as diferenças).[1]

A noção histórica de gênero é abordada por Guacira Louro, da seguinte forma: “as identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade“ (1998, p. 11). Nesse sentido, o termo gênero figura, também, como uma estrutura contraditória ao estabelecer uma certa dinâmica que deixa de lado qualquer possibilidade de manter imutáveis as categorias, e como conseqüência de sua historicidade, está sujeito a mudanças repentinas e constantes.

Segundo Louro (1995, p.102), falar sobre gênero (nos discursos ou mesmo na educação) significa falar sobre um conceito absolutamente natural, social. A denominação de gênero possui o objetivo primordial de chamar atenção sobre a construção social dos sexos, considerando tanto as produções do feminino quanto do masculino, não sendo tomado como algo pronto, mas como um processo que se estende ao longo da vida e leva os sujeitos a se tornarem homens ou mulheres de maneiras diversas, acompanhando os momentos históricos, a cultura, as relações étnicas, religiosas, de classe, enfim, de acordo com a sociedade na qual estão inseridos, bem como com o que é permitido e possibilitado no interior da mesma.

A relevância dos estudos de gênero para o entendimento da organização da vida social, conforme se pode depreender através das abordagens anteriores, tem sido cada vez mais reconhecida, uma vez que pode ser tomada como uma ferramenta essencial aos diferentes campos do conhecimento; tratando-se, tal como destaca Almeida (2002, p.2), “de uma daquelas construções que têm levantado disputas, produzido conflitos e equívocos na busca de um esclarecimento desejável. Assim, pesquisas dessa natureza possuem o intuito de estudar homens e mulheres em termos de relações, numa conexão entre a história vivida no passado com o que estamos construindo agora (Scott, 1995).

 

 

3 - Metáforas zoomórficas

 

 

A pesquisadora Eliane Vasconcellos Leitão, na década de 70, realizou um estudo aprofundado a respeito das desigualdades dos papéis masculinos e femininos comprovados pela linguagem. O trabalho da autora evidenciou uma série completa de expressões e vocábulos que mostram a desumanização do sujeito feminino. Para comprovar suas afirmações, Leitão (1988) destacou três maneiras que consolidam a desqualificação mencionada: A Mulher como objeto portador de beleza (ênfase na aparência em detrimento da capacidade intelectual); b) Mulher vista como objeto sexual (definida em função de sua sexualidade) e c) A questão do duplo valor (caracterizado pelo julgamento da conduta sexual feminina).

O último aspecto apontado como uma das formas pela qual a mulher é privada de seu status de ser humano, diz respeito ao julgamento prévio de sua conduta sexual. Tem-se que, na maioria das vezes, análises de palavras envolvendo julgamentos morais mostram que, quando são direcionadas aos homens, o significado é geral e encontra-se dentro do campo semântico profissional, de valor pessoal, etc., porém; é raro que se ache dentro do campo semântico sexual. Já com a mulher ocorre exatamente o contrário.

De modo semelhante identificamos a pertinência das metáforas zoomórficas. Leitão (1988, p. 34-35) também destacou uma série delas, dispostas de forma dicotômica:

  1. Cachorro – Cadela :cachorro:cão pequeno; indivíduo indigno, canalha; cadela: mulher de procedimentos censuráveis, desavergonhada, meretriz
  2. Cavalo –Égua: cavalo: animal mamífero; da ordem dos perissodáctilos, indivíduo sem educação, grosseiro, estúpido; égua: a fêmea do cavalo, meretriz;
  3. Galo-Galinha: galo: gênero de aves galináceas, de cristas carnudas e asas curtas e largas; o macho da galinha doméstica. Ser um galo = Ter (o homem) o orgasmo demasiadamente rápido; galinha: a fêmea do galo; mulher que se entrega com facilidade, ou aquela que aceita qualquer forma de relação sexual;
  4. Touro-Vaca: touro: boi bravo; homem fogoso e robusto; vaca: a fêmea do touro; mulher leviana, que aceita qualquer homem;
  5. Gato-Gata: gato: animal mamífero carnívoro, da família dos felídeos; indivíduo ligeiro, esperto. gata: a fêmea do gato;
  6. Coelho-Coelha: coelho: animal mamífero da família dos leporídoes; coelha: a fêmea do coelho; mulher que pare muitas vezes;
  7. Lobo-Loba: Lobo: mamífero da ordem dos carnívoros, família Canidae, que habita grandes regiões da Europa, Ásia e América; Homem cruel, saguinário. Loba: a fêmea do lobo; meretriz;
  8. Mariposa: Designação comum aos insetos lepidópteros noturnos ou crespusculares;

Meretriz

i) Piranha: Designação comum a várias espécies de peixe teleósteos, caraciformes, da família dos caracídeos; Meretriz, mulher que leva a vida licenciosa;

 

J) Tanajura: Designação comum às fêmeas ou rainhas dos insetos himenópteros, da família dos formicídeos, especialmente as do gênero Atta Fabr; pessoa de nádegas muito desenvolvidas (só utilizado em relação às mulheres);

k) Jararaca: Designação comum a várias espécie de répteis ofídeos da família dos

crotalídeos; Mulher feia e de maus bofes;

Considerando que nossas observações recaem sobre esse tipo específico de metáforas, acrescentamos, outras qualificações não contempladas na listagem anterior, como: tigre, tigresa, cobra, serpente, pantera, porco, porca, leão, anta, baleia, cabrita, jumento, girafa, peixe, gralha, corvo, pavão, macaca ou mucura (animal semelhante ao gambá; metáfora característica da região nordeste, utilizada para a qualificar uma mulher muito feia).

A presença de metáforas zoomórficas nas páginas da revista Capricho, veículo sobre o qual sustentamos nossas observações, é muito recorrente. Sem esquecer, ainda, que se direcionarmos nossa atenção para o conteúdo de determinadas músicas, a comprovação será até mais acentuada.

Esse tipo específico de metáforas deixam claro, mais uma vez, que as lexias referentes às mulheres carregam semas negativos e conotações pejorativas relacionadas com atividades sexuais. Por outro lado, quando fazem referência aos homens, fica evidente que ocorre uma conotação lisonjeira e valorativa. Coulthard (1991, p. 32-33) enfatiza esse ponto mencionando que a única metáfora atribuída ao homem com sema negativo é veado. Pires (2002), compartilha com as afirmações anteriores, mas destaca que, sob outro ponto de vista, pode-se registrar uma visão mais equânime, decorrente de setores mais jovens e evoluídos ao usarem, por exemplo, as metáforas gato e gata como sinônimo de beleza para ambos os sexos. No entanto, identificamos que, em algumas regiões do país, gata seja utilizado para qualificar a mulher como prostituta ou amante.

 

 

4 - Análises

 

 

Os textos selecionados da revista Capricho levam em conta a presença de metáforas zoomórficas que, conforme observamos, encontram-se interligadas às abordagens que fazem parte de tópicos específicos, isto é: comportamento e beleza. Destacaremos, para o momento, algumas especificações a respeito do segundo tópico ora mencionado através da exposição de uma das propagandas que sustentou parte de nossas análises.

 

 

4.1 Texto analisado: “A gata ou perua”.

 

 

O texto publicitário que anuncia uma nova linha de Shampoos destaca:

 

 

 

 

A metáfora gata designa a mulher jovem e bonita, possuindo, portanto, valor positivo. Por outro lado, o sentido da metáfora perua é negativo, uma vez que figura como um sinônimo que caracteriza uma mulher que se preocupa apenas com futilidades, que chama atenção pelos modos e vestimentas espalhafatosos e que, em certos casos, é considerada pouco inteligente.

Tem-se que o substantivo cabeça, como já mencionado, seja tomado como um indicador de inteligência em inúmeras expressões. Assim, verifica-se que, num primeiro momento, a diferença que se afirma, entre a gata e a perua, encontra-se relacionada à capacidade de raciocínio.

O que faz com que transpareça um dos fatores reivindicados pela formação discursiva feminista, isto é, a crítica aos padrões de beleza impostos às mulheres em detrimento da valorização de sua capacidade e competência. O anúncio, portanto, deixa claro que seja importante para adolescente buscar se afirmar não apenas através da beleza, mas por seu nível intelectual. A metáfora gata, nesse contexto, qualifica a adolescente que se sobressai por possuir algo além dos cabelos bonitos e bem tratados.

Observar a sentença principal com maior atenção faz com que se perceba que a ausência dos artigos frente aos dois substantivos implica num fator que evidencia uma determinação taxativa, ou seja, ou se é gata ou perua. O que comprova a legitimação de comportamentos considerados femininos e adequados.

Nas seqüências destacadas a seguir figura a afirmação de que: A gata adora. E perua odeia. Uma observação atenta revela que, através da disposição dos termos, são criados pólos representativos: tem-se de um lado o que é ancorado ao sentido do verbo adorar (positivo) e de outro o que interliga-se ao sentido do verbo odiar(negativo). A gata representa o que é adorado, perfeito, isto é, tudo aquilo que vai ao encontro do que é valorizado pela nossa sociedade, uma vez que se espera que a mulher, além de se manter bonita, busque apresentar modos finos, delicados, bem como condutas moderadas e discretas. Nesse sentido, perua, por sua vez, transparece como a representação do que é odiado, reprovado, o que pode ser desconsiderado. Nota-se que o anúncio reforça o que se menciona através da presença do verbo exagerado (excessivo) e do adjetivo artificial (falso, fingido).

A observação de uma peça publicitária dessa natureza mostra como são consolidados e mantidos padrões determinantes dentro de uma sociedade classista e estratificada como a nossa. Sabe-se que tudo aquilo que vai contra ao que fora estabelecido tradicionalmente recebe um tratamento repulsivo. Pode-se dizer que apenas isso faz com que a perua seja mal vista, isto é, o fato de que seja transgressora ao subverter a “ordem natural”, não se enquadrando no padrão estabelecido pela nossa sociedade.

De tal maneira, a cabeça, como parte integrante e central do nosso corpo, comporta todo o nosso “conteúdo”, (memória, idéias, pensamentos, lembranças, etc), tudo aquilo que costumamos exteriorizar através de nossas argumentações. O que faz com que nos reportemos ao que é marcado pela expressão superlativa, destacada anteriormente, que enfatiza a necessidade de se ter “muito mais”, tanto por fora, em relação aos padrões estéticos, quanto por dentro, considerando o que o nosso interior comporta. Reforçando, assim, que “o cuidado de si” não se limita apenas ao que é sustentado pelo nosso corpo, mas busca também atingir a alma.

Para finalizar, retomando o que foi proferido por Lakoff & Johnson (2002), em nossa cultura, uma discussão não nos foi passada como algo harmonioso e, assim, só poderia figurar como uma dança em outra cultura que a tomasse dessa maneira. O mesmo se aplica em relação às acepções que recaíram sobre a perua, isto é, não podemos desconsiderar o fato de que em outros países o termo possa ser tomado de outra maneira, livre de visões estereotipadas ou preconceitos.

 

 

 

5 - Considerações finais

 

 

Dentre os múltiplos espaços e as muitas instâncias onde se pode observar a instituição das distinções e das desigualdades, a linguagem, é, seguramente, (Louro, 1998, p.65) o campo mais eficaz e persistente - não só por atravessar e constituir em grande parte nossas práticas, como também por parecer, de certa forma, muito “natural”. Pode-se dizer que seguimos regras definidas por gramáticas e dicionários, sem pensar em questionar determinados usos que fazemos de expressões consagradas , por supor que a linguagem seja apenas um veículo de comunicação. Ressalta-se, no entanto, que a linguagem não só expressa relações, poderes, lugares, valores, como também os institui; ela não apenas veicula, mas produz e busca fixar diferenças.

Desde que nascemos, recebemos um código verbal já pronto, caracterizado dentro do contexto cultural onde nos inserimos. Cabe apenas, a quem desejar, selecionar e combinar os elementos de tal código, saber utilizar as palavras. Nesse caso, podemos constatar a existência de uma série de expressões e vocábulos atribuídos às mulheres, que evidenciam a organização do pensamento da cultura brasileira sobre o feminino. Não se pode negar que uma das características que mais chama nossa atenção encontra-se na interessante forma de como a língua, em momentos e contextos específicos, registre muito claramente as desigualdades dos papéis masculinos e femininos (Rector, 1988, p.10).

Fomos levados a acreditar a idéia de que a metáfora figurasse como um aspecto da linguagem literária apenas, sendo pouco relevante para outros tipos de linguagem. No entanto, as observações apresentadas por Lakoff & Johnson (2002) revelam que as metáforas penetram em todos os tipos de linguagem e nos mais variados tipos de discursos, mesmo nos casos que poderiam sem considerados menos promissores, como o discurso científico e técnico.

Salienta-se que as metáforas zoomórficas, embora povoem nosso cotidiano com muita freqüência, poucas vezes são registrados nos chamados manuais normativos, com exceção do fato de que estejam registradas em alguns dicionários. Tem-se que elas estão tão naturalizadas no interior de nossa cultura que as pessoas não apenas deixam de percebê-las na maior parte do tempo, como também não chegam a notar as implicações que as sustentam.

Tal como especificado, a revista Capricho, considerada um dos mais expressivos veículos destinados ao público adolescente feminino, expõe a utilização freqüente de metáforas zoomórficas em sua abordagens distribuídas em matérias sobre comportamento ou em peças publicitárias que envolvem aspectos referentes à beleza.

Acredita-se que a divulgação dos resultados desse estudo pode contribuir com o favorecimento de uma visão mais crítica e realista, por parte do público da revista, a respeito do tipo de textos que a mídia tem apresentado, bem como a respeito dos valores que estão sendo veiculados e passados para gerações e gerações de adolescentes.

Além disso, ressalta-se a importância do aspecto pedagógico, uma vez que, se os professores tomarem conhecimento das análises correspondentes e se valerem desse material em sala de aula, mostrando como ocorrem a reprodução das relações de gênero e poder por meio da linguagem enfatizando, também, as implicações existentes por trás das referentes metáforas, estarão, sem dúvida, contribuindo para a formação de leitores mais conscientes da realidade social que os cerca.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências Bibliográficas

 

 

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² Este texto apresenta apenas alguns trechos da Dissertação de Mestrado intitulada “As metáforas Zoomórficas na Revista Capricho”, defendida em 2004, no Programa de Pós – Graduação da Universidade Federal de Santa Maria.