Que análise linguística operacionalizar no ensino de Língua Portuguesa?

Luiz Carlos Travaglia (UFU / ILEEL)[1]

 

A questão da análise linguística, que se liga ao conhecimento linguístico, posta para a escola por uma tradição e por orientações e parâmetros curriculares tem representado um desafio para professores, linguistas e linguistas aplicados. E, sem dúvida, um desafio de muitas facetas.

Acredito que uma das facetas desse desafio é como operacionalizar, como dar forma a esta análise linguística em atividades de ensino e aprendizagem. Creio já ter falado sobre isto em alguns trabalhos meus publicados em livros e artigos, inclusive em livros didáticos. Por isto meu objetivo aqui é abordar uma outra faceta desse desafio. A representada pela pergunta que foi proposta como título deste texto, e que constitui desafio para o professor de Língua Portuguesa e creio que também para o professor de língua estrangeira. A pergunta pressupõe a existência de mais de um tipo de análise lingüística possível e, portanto, há opções que o professor deve fazer e isto sempre implica um desafio, pois com muita freqüência as opções levam a resultados diferentes e podem apagar outras possibilidades. Cremos que o desafio está em saber como realizar uma análise linguística pertinente para a formação de um falante mais competente. Dizer que esta análise se destina à formação de um falante competente já representa uma opção que norteará a proposta a ser feita, pois estamos considerando pertinente a formação de um usuário competente da língua e não a formação de um analista competente da língua.

Estas opções nos colocam duas possibilidades para responder a pergunta sobre qual análise linguística operacionalizar no ensino de Língua Portuguesa como língua materna:

 

a) a primeira é uma análise linguística classificatória e/ou explicativa com foco em uma terminologia linguística ou em regras propostas e explicitadas por uma metalinguagem técnica;

b) a segunda é uma análise linguística que enfoca a significação e as funções dos elementos constitutivos da língua, dos recursos da língua e suas possibilidades de funcionamento textual-discursivo.

 

No ensino, para o desenvolvimento da competência comunicativa, essas duas possibilidades de análise devem evidentemente ser acompanhadas de atividades de uso na produção e compreensão de textos, que trazem embutida uma análise linguística ou no mínimo uma reflexão linguística, se houver uma diferença entre as duas.

Nossa posição é que uma possibilidade de análise não é melhor que a outra em si, sem a opção prévia a que aludimos.

A primeira forma de análise lingüística configura um ensino teórico, cuja utilidade no dia-a-dia da maioria das pessoas nos parece não ser significativa. Será composta por atividades tais como:

  1. a partir de conceitos, identificação em sequências linguísticas (frases, textos, etc.) de elementos nomeados, ou seja, a busca de exemplares de classes de fonemas, morfemas, palavras, orações, frases; categorias gramaticais; construções; figuras de linguagem, etc.);
  2. justificativa de usos por meio de regras diversas (de concordância, regência, etc.);
  3. formulação, por indução, de conceitos, classificações e regras a partir de análise de exemplares de elementos da língua em estudos dirigidos;  

Esse tipo de análise pode cumprir objetivos como os de suprir informações culturais de natureza científica sobre a língua que servem também de recurso de mediação em outras formas de análise por facilitar a referência a elementos lingüísticos específicos e pode ser usado para ensinar a pensar como já mostramos em Travaglia (2003: cap. 5 – Para que ensinar teoria gramatical).

A segunda forma de análise, centrando-se na significação nos planos semântico e pragmático da língua e no nível textual-discursivo pode ser desenvolvida por atividades que:

  1. perguntam o que significam elementos linguísticos dentro de textos e/ou suas funções;  
  2. comparam com a significação de recursos linguísticos alternativos, mas com significação de algum modo correlacionada, ou seja, com opções paradigmáticas que são objeto de escolha no momento da formulação dos textos;  
  3. perguntam ou levam a verificar se a significação e/ou função altera em decorrência de uso em situações diferentes.  

Procuramos, por meio de exemplos, evidenciar de forma concreta e prática que a segunda opção é a mais desejável para os falantes da língua em sua vida social, primeiro por desenvolver sua competência comunicativa, segundo por permitir uma abordagem não teórica que a primeira não permite. São apresentados mais exemplos da segunda forma de análise, uma vez que a primeira é sobejamente conhecida e tradicionalmente muito praticada nas escolas.

Os exemplos que apresentamos aqui foram tomados a Travaglia, Rocha e Arruda-Fernandes (2009) em sua coleção de livros didáticos A Aventura da Linguagem – Língua Portuguesa, para os 6º, 7º, 8º e 9º anos.

Exemplo 1

O primeiro exemplo que examinamos de Travaglia, Rocha e Arruda-Fernandes (2009) é extraído do volume destinado ao 6º ano do capítulo 2 (Outras formas de dizer) da Unidade 1 (Língua e Linguagens), p. 34 a 36. Este capítulo trabalha com placas enquanto textos usados em diversas situações e na seção “Pensando a Língua” subseção “Aprendendo mais sobre substantivos” apresenta a seguinte sequência de atividades.

 

 

Aprendendo mais sobre substantivos

Nas placas de indicação, foram utilizados nomes de diferentes cidades: Brasília, Porto Alegre, São Luis, Goiânia, São Paulo, Florianópolis, Belo Horizonte, Curitiba.

Há muitas cidades no Brasil e no mundo, mas cada um destes nomes serve para indicar uma única cidade. Por exemplo, Brasília refere-se a uma única cidade, localizada no interior do Brasil, e, como sabemos, é a sua capital. Ou seja, a palavra Brasília refere-se a um determinado elemento do conjunto de cidades.

 



 


NÃO ESQUEÇA!

As palavras que indicam nomes de um determinado elemento de um conjunto são chamadas substantivos próprios.

 

Assim qual é seu nome completo? Este nome refere-se apenas a uma pessoa: você. Ele é, pois, seu nome próprio.  

 

Os substantivos próprios indicam um único elemento do conjunto de pessoas, de lugares, de times de futebol, de marcas, de produtos, etc.

 

  • Escreva substantivos próprios que indicam:
  1. cidades;
  2. países;
  3. escolas;
  4. pessoas;
  5. times de futebol;
  6. produtos de higiene;

 

Resposta pessoal. Exemplos:

Cidades: Rio de Janeiro, Londrina, Salvador, Manaus, Goiânia, Uberlândia, Paris, Londres  Países: Brasil, Argentina, Inglaterra, Canadá, Índia, Arábia Saudita, Itália, México

Escolas: Escola Estadual Uberlândia, Colégio Zênit

Pessoas: Maria, José, Paula, Luiz, Maura

Times de futebol: Flamengo, Corinthians,  Internacional, Atlético, Bahia

Produtos de higiene: Omo (sabão em pó), Contente (pasta dental), Brilhante (sabão em quadra)

 

  • Qual palavra pode substituir o símbolo ã nas frases abaixo?

O Brasil é um ã latino-americano.

A França é um ã europeu.

O Canadá é um ã situado na América do Norte.

país

 

A palavra “país” é comum ao Brasil, França e Estados Unidos, porque designa uma classe.

 

Falando de outro modo: Brasil, França e Estados Unidos pertencem ao conjunto dos países, por isto a palavra “país” é um nome comum a todos eles.

 

 

 


NÃO ESQUEÇA!

As palavras que indicam nomes de classes, ou conjuntos, ou um ser qualquer da classe são chamadas substantivos comuns.

 

 

  • Faça os exercícios a seguir:

 

  1. O texto abaixo está sem revisão e o escritor escreveu alguns substantivos próprios com letras minúsculas. Localize estes substantivos e faça a correção.

 

Monteiro Lobato é um escritor brasileiro cujos personagens fazem parte do universo infantil há quase meio século. Poucas pessoas não conhecem Dona benta e seus netos: a menina do nariz arrebitado, razão pela qual era chamada de narizinho, e Pedrinho, o garoto corajoso e inteligente, que morava com os pais na cidade, mas passava as férias com a avó.

Há ainda a tia Anastácia, cozinheira que fazia os mais deliciosos quitutes. Além de personagens “gente”, Monteiro Lobato povoou seu mundo com uma boneca – a Emília, sabugos de milho falante – o visconde de sabugosa e o porquinho rabicó.

As aventuras se passavam na pequena fazenda de Dona benta, denominada “sítio do pica-pau amarelo”. De vez em quando o sítio recebia as mais diferentes visitas: algumas saíam dos contos de fadas como o pequeno polegar e outros, do folclore brasileiro como a cuca, o saci-pererê, o curupira. Uma vez até um rinoceronte, a quem Emília deu o nome de quindim, apareceu por lá.

 

Monteiro Lobato é um escritor brasileiro cujos personagens fazem parte do universo infantil há quase meio século. Poucas pessoas não conhecem Dona. Benta e seus netos: a menina do nariz arrebitado, razão pela qual era chamada de Narizinho, e Pedrinho, o garoto corajoso e inteligente, que morava com os pais na cidade, mas passava as férias com a avó.

Há ainda a tia Anastácia, cozinheira que fazia os mais deliciosos quitutes. Além de personagens “gente”, Monteiro Lobato povoou seu mundo com uma boneca – a Emília, sabugos de milho falante – o Visconde de Sabugosa e o porquinho Rabicó.

As aventuras se passavam na pequena fazenda de D. Benta, denominada “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. De vez em quando o sítio recebia as mais diferentes visitas: algumas saíam dos contos de fadas como o Pequeno Polegar e outros, do folclore brasileiro como a cuca, o saci-pererê, o curupira. Uma vez até um rinoceronte, a quem Emília deu o nome de Quindim, apareceu por lá.

 

  1. Observe os substantivos próprios grifados no texto abaixo e substitua-os por substantivos comuns.

O Hotel das Flores era pequeno e simples, mas muito agradável. Marinalva preparava quitutes maravilhosos e Sr. Joaquim cuidava dos canteiros de rosas, do gramado e de todo o jardim com muito carinho. Dna. Julia e Sr. Alceu faziam tudo para agradar seus hóspedes.

O hotel era um pequeno e simples, mas muito agradável. A cozinheira preparava quitutes maravilhosos e o jardineiro cuidava dos canteiros de rosas, do gramado e de todo o jardim com muito carinho.  Os proprietários faziam tudo para agradar seus hóspedes.

 

  1. Quando você trocou os substantivos próprios do texto do exercício 2  por substantivos comuns, você produziu um texto diferente.
    1. Qual a diferença entre os 2 textos?

O primeiro texto dá impressão de que o autor conhecia bem o hotel e as pessoas de lá, é mais pessoal. Pode dar também a impressão de que os personagens já são conhecidos também do leitor. O segundo texto é mais objetivo, dá idéia de certo distanciamento.

 

  1. Eles poderiam ser empregados na mesma situação? Quando seria melhor usar o texto com substantivos próprios? E quando usar o texto com substantivos comuns?

(Sugestão de resposta)

Não, eles não podem ser usados na mesma situação.

 

Devo usar o primeiro texto:

-             se eu quero mostrar que conheço o hotel e as pessoas de lá;

-             para dar a entender que sou amigo das pessoas do hotel;

-             se eu procuro uma maior proximidade com o leitor.

 

Será melhor usar o segundo texto nos seguintes casos:

-             o hotel será apenas o cenário da minha história e as pessoas que lá trabalham não serão os personagens principais;

-             se eu quero dar a impressão de certo distanciamento ou objetividade em relação ao que será narrado a seguir.

 

Como se pode observar a parte introdutória desta sequência de atividades introduz conceitos (de substantivo próprio e substantivo comum) pela apresentação dos mesmos por meio de uma exposição que, com alguma participação do aluno, após levar este a perceber as características fundamentais do conceito, enuncia o mesmo.  A apresentação de conceitos é atividade de gramática teórica (Cf. Travaglia, 1996) e se liga ao primeiro tipo de análise linguística. De posse do conceito poder-se-ia fazer uma atividade do tipo “Identifique os substantivos comuns e próprios presentes no texto abaixo”, que também seria do primeiro tipo de análise linguística, todavia os autores preferiram tomar esta capacidade de identificação como pressuposta e usando uma atividade de gramática de uso (Cf. Travaglia, 1996) preferem, no exercício 1, desenvolver a competência na língua escrita, por meio do aprendizado direto em uso de que os substantivos próprios devem ser escritos com letra maiúscula. A capacidade de análise do primeiro tipo (identificação de substantivos próprios com base em um conceito dado) fica, pois, como um elemento de mediação, para referência mais precisa a dado elemento da língua. A atividade de uso da maiúscula em nomes próprios poderia evidentemente ser construída de outro modo sem apelo ao suporte do primeiro tipo de análise. O exercício 2, não exige a identificação dos substantivos próprios, pois eles são dados ao serem sublinhados no texto. Não há, portanto, atividade de análise linguística do tipo 1. O exercício faz com que o aluno correlacione o indivíduo com sua classe (Hotel das Flores à hotel; Marinalva à cozinheira; Sr. Joaquim à jardineiro; D. Júlia e Sr. Alceu à proprietários), numa relação paradigmática de substituição, o que tem a ver com a percepção de um dado aspecto da significação: a relação entre a classe e o elemento da mesma. Para saber qual substantivo comum indicador da classe deve usar, o aluno tem que apelar para outra análise do segundo tipo, ou seja, ligada à significação, pois a partir das predicações feitas sobre cada ente dado por um substantivo próprio ele vai ter que inferir qual é a classe (substantivo comum) do ser particular a que o substantivo comum se refere. Assim temos: a) Hotel das Flores pertence à classe dos hotéis, porque seu nome já traz o substantivo comum correspondente: hotel, mas é um lugar onde pessoas se hospedam o que aparece na última frase; b) Marinalva é a cozinheira porque é quem prepara quitutes; c) Sr. Joaquim é o jardineiro, porque é quem cuida dos canteiros de rosas, do gramado e de todo o jardim; d) D. Júlia e Sr. Alceu podem ser os proprietários porque faziam tudo para agradar os hóspedes, mas também poderiam ser gerentes ou recepcionistas. O texto não traz dados suficientes para uma única inferência possível. Os autores optam por proprietários na sugestão de resposta, mas a outra possibilidade permanece. O que faz a balança pender para a inferência de que eles são proprietários é o tratamento de Dona e Senhor.

A partir da troca do substantivo próprio por um substantivo comum feita no exercício 2 o aluno tem dois textos diferentes. O exercício 3 vai mostrar uma diferença importante no uso de substantivos próprios e comuns ao perguntar a diferença entre os dois textos e em que situação seria melhor usar um ou outro. É importante observar que isto trabalha tanto o valor, a significação dos recursos linguísticos (no caso substantivos comuns ou próprios) quanto as funções textuais-discursivas destes recursos ao constituírem um texto para ser usado em uma situação concreta de interação comunicativa, considerando inclusive propósitos do produtor nesta situação.

Parece ficar claro que este segundo tipo de atividade desenvolve a competência comunicativa do aluno, pois o torna progressivamente mais consciente e capaz de usar os recursos da língua para produzir efeitos de sentido desejados.

A atividade do exercício 1, mostra que há elementos da língua, como as convenções de ortografia na língua escrita, que escapam da questão da análise linguística, uma vez que a ortografia é uma convenção estabelecida por lei. Todavia se pode em alguns casos levar os alunos a deduzirem regras pontuais de ortografia como as de acentuação, por exemplo, por meio de atividades de análise do tipo 1.

 

Exemplo 2

O segundo exemplo é extraído do volume destinado ao 9º ano do capítulo 12 (Vidas na cidade) da Unidade 4 (Vida na Terra), p. 315 a 317, da seção “Pensando a língua” e da subseção “Aprendendo mais sobre preposição e locução prepositiva”. Este exemplo mostra uma análise linguística do segundo tipo voltada para a significação e a função dos recursos linguísticos. Às atividades propostas pelos autores acrescentamos as atividades 3B e 4B, que aparecem com  letra do tipo lucida handwriting.

 

 

PENSANDO A LÍNGUA

 

Aprendendo mais sobre preposição e locução prepositiva

  1. Observe como a mudança da preposição (de à em) feita no trecho abaixo pela produtora do Texto 3, muda completamente o sentido do que se diz.

 

“Na verdade, não existem meninos DE rua. Existem meninos NA rua. E toda vez que um menino está NA rua é porque al­guém o botou lá.”

 

A) Diga qual é a diferença de sentido entre “DE rua” e “NA rua”.

De indica uma origem, em indica só um lugar, uma localização. Assim “DE rua” indica que a rua é o lugar de origem do menino, enquanto “NA rua” indica que a rua é o lugar onde o menino está.

 

B) Observe as seguintes frases.

 

  1. “O filho único, por receber afeto “em demasia”, torna-se egoísta, preguiçoso, dependente, e seu rendimento é inferior ao de uma criança com irmãos.” (Texto 3).
  2. “Quando eu era criança, ouvi contar muitas vezes a história de João e Maria, dois irmãos filhos de pobres lenhadores, em cuja casa a fome chegou a um ponto em que, não havendo mais comida nenhuma, foram levados pelo pai ao bosque, e ali abandonados.” (Texto 3)
  3. “Pois João e Maria tinham uma casa de verdade, um casal de pais, roupas e sapatos.” (Texto 3)
  4. Esta mesa de pedra será posta no jardim.
  5. O tênis de João é bonito.
  6. Ele veio de Goiânia, para nos ajudar.
  7. Ele é de Minas Gerais, mas mora nas ruas de Goiânia.
  8. Ele fugiu de medo, quando viu o guarda.

 

  1. i.        Em qual das frases acima a preposição “de” ajuda a estabelecer a mesma relação de sentido que apresenta em “DE rua” no trecho acima do Texto 3?  Na frase g. Em f também se tem o sentido de origem, mas com uma nuance diferente.
  2. ii.        Diga em qual ou quais frases acima a preposição “de” ajuda a estabelecer as seguintes relações de sentido.

 

posse                       origem          caracterização        causa

 

posse: a, e / origem: f, g / caracterização: b, c, d / causa: h

 

  1. Observe o trecho

 

“A criança chega e como se nem me visse, cheira cola... fiquei olhando, e senti aquele cheiro horrível que ele devorou com voracidade, até cair, ficar semi-acordado, enquanto um outro vigiava ... aí não deu pra segurar, e lágrimas caíram pelo meu rosto bem alimentado.”(Texto 2 A)

 

A)   As orações iniciadas pela preposição até estão indicando lugar, tempo, modo, causa ou finalidade? Tempo

 

B)   Construa uma frase em que a preposição até foi usada para construir uma expressão indicadora de lugar.

Resposta pessoal. Sugestão: Saímos de São Paulo e íamos até Goiânia, mas só chegamos até Catalão.

 

C)   Outras preposições também podem criar expressões indicadoras de lugar. Observe as frases abaixo e diga a diferença entre as localizações indicadas pelas expressões sublinhadas, cada uma construída com uma preposição diferente que está em negrito.

 

  1. Os meninos foram até a casa da pesquisadora e voltaram.
  2. Os meninos são encontrados em praças e avenidas da cidade.
  3. Os meninos colocaram chapéus sobre suas cabeças, para se proteger do sol.
  4. Os meninos esconderam o dinheiro sob a blusa.
  5. O menino ficou entre dois guardas.

a) até: lugar ou localização limite de um movimento/ b) em: localização pura e simples/ c) sobre: localização superior a algo, em cima./ d) sob: localização inferior a algo, em baixo. e) entre: localização intermediária, posição marcada por dois ou mais pontos.

 

  1. Veja o trecho:

 

“¾ Tiros! ¾ avisou. Um homem veio de gatinhas se refugiar embaixo da mesa.” (Texto 1)

 

A locução prepositiva embaixo de também indica posição inferior, assim como sob e as locuções debaixo de, abaixo de, por baixo de, mas elas não têm o mesmo significado.

 

A) Tente perceber a diferença de sentido, escolhendo qual é mais adequada para substituir o símbolo ­ nas frases abaixo.

 

  1. Minha irmã escondeu o bilhete do namorado ­ o travesseiro. embaixo do/ debaixo de.
  2. Depois de caminhar muito nós nos sentamos ­ uma árvore. debaixo de/ embaixo de.
  3. Ele me passou o dinheiro ­ a mesa. por baixo da
  4. Meu apartamento fica três andares ­ do seu. abaixo do

Professor(a), Os exercícios 3A e 4 visam ajudar o aluno perceber diferenças de sentido entre recursos da língua de significação muito próxima. Às vezes tais diferenças são sutis e não percebidas do mesmo modo pelos falantes. Além disso, muitas vezes só se percebe a diferença em um contexto maior ou na situação comunicativa.

 

v  B) Tente dizer qual a diferença básica de sentido entre sob, embaixo de, debaixo de, por baixo de e abaixo de.

Sob é uma localização inferior geral. Embaixo de parece pressupor que o que está em cima encosta no que está na posição inferior e o cobre. Daí só poderia ser usada na frase (b) se quisermos passar a ideia de que a pessoa ficou numa posição inferior às raizes o que faria supor algo enterrado. Debaixo de é uma posição inferior a algo que nos cobre, mas sem encostar. Veja a diferença entre “debaixo do teto” e “embaixo do teto”. Por baixo de implica sempre um movimento que se faz em posição inferior a algo. Abaixo de exige que entre os dois elementos haja um espaço e o que está abaixo de esteja fora do âmbito do que está na posição superior.

C) Em quais das frases acima podemos colocar a preposição sob?

Em (a) e (b). Em (c) não é possível porque “sob” não combina com a ideia de movimento e em (d) não combina com a ideia do espaço existente entre o que está acima e o que está abaixo.

  1. A) No trecho abaixo do Texto 2 A temos a locução prepositiva “de frente a” que também aparece com a forma “de frente para” e indica uma “localização dianteira, em face de algo”.

 

“Após uns trinta minutos, pensando ter visto tudo, eu me sentei no chão, na calçada de frente a eles, na esperança de poder iniciar uma conversa.” (Texto 2 A)

 

Outras locuções prepositivas indicadoras de “posição dianteira, em face de” são: em frente de/a; à frente de. As preposições ante e perante também têm a significação básica de “posição dianteira ou em face de”.

Escolha a locução mais adequada para substituir o símbolo ­ nas frases abaixo.

  1. O Brasil está ­ a China na busca de soluções para suas crianças carentes, porque já sabe o que fazer, embora ainda não tenha encontrado os meios para tal. à frente da China
  2. Eu fiquei te esperando por três horas ­ o cinema. em frente do cinema.
  3. A menina levantou-se, foi até à frente da sala de aula, virou-se para o quadro, mas de repente ficou parada ­ o quadro sem fazer nada. Parece que tinha esquecido tudo .  de frente para o quadro
  4. Na corrida nosso piloto ficou o tempo todo ­ o piloto do outro país. à frente do piloto.

 

v  B) Tente dizer qual a diferença de sentido entre “de frente a/para”, “em frente de/a” e “à frente de”.

A diferença básica entre as três locuções pode ser assim resumida: “em frente a/de” significa que está parado num ponto dianteiro a algo. Não importa se estamos “de costas para” ou “de frente a/para”, por isto mesmo “de frente a/para” significa que se está com nossa face, nossa frente voltada para o outro. “À frente de” indica uma posição dianteira quando temos um movimento físico ou não, como numa corrida ou numa competição sobre algo como acontece nas frases (a) e (d)

 

C) Construa uma frase com a preposição ante e outra com a preposição perante. Na sala o professor e os colegas vão dizer se sua frase ficou boa ou não e por que.

 

Resposta pessoal. Sugestão: Ante o perigo ele não se acovardou. / Ante tantas belezas ele se emocionou. – Ele reafirmou tudo o que disse perante o juiz. / Você vai repetir tais insultos perante meus pais.

 

Na atividade 1, trabalha-se com a análise voltada para a significação primeiro porque em 1A discute-se a diferença de sentido entre duas construções estabelecida pelo uso das preposições de e em a partir de algo que acontece em um texto. A seguir, na atividade 1B, i e ii, faz-se o aluno observar vários efeitos de sentido possíveis com o uso da preposição de, analisando-os. Na atividade 2A trabalha-se o significado temporal da preposição até com que ela ocorre no texto. O significado espacial da mesma preposição é trabalhado em 2B, pois o aluno terá que analisar o sentido para usar a preposição com o sentido pedido. Em 2C trabalha-se com a identificação do sentido de várias preposições (até, em, sob, sobre, entre). Nas atividades 3A, 3B e 3C trabalha-se com a diferença de sentido entre várias locuções prepositivas e a preposição “sob” que indicam “posição inferior” (sob. embaixo de, debaixo de, abaixo de, por baixo de). Com isto os alunos aprendem que, embora estas preposições e locuções prepositivas tenham a mesma significação básica, não podem ser usadas umas pelas outras indiscriminadamente e nem podem ser “lidas” da mesma maneira. Esta análise é sem dúvida pertinente e útil para o desenvolvimento da competência comunicativa, pois o usuário da língua ganha consciência e domínio das possibilidades de uso dos recursos linguísticos em função de sua significação e funções. O mesmo acontece nas atividades 4A, 4B e 4C, mas com as locuções prepositivas indicadoras de “posição dianteira” ou “em face de” (de frente a/para; em frente de/a; à frente de; ante e perante). Do mesmo modo à análise linguística conduz ao domínio das diferenças de sentido entre os recursos com o mesmo sentido básico. A coleção conceitua preposição em um momento anterior a estas atividades mostrando sua função de conector.

 

Considerações finais

Embora nosso espaço seja curto para a apresentação de mais exemplos esperamos que os dois exemplos apresentados sejam claros o bastante para evidenciar os dois tipos de análise sobretudo o segundo já que o primeiro é bastante conhecido dos professores, por ser o que tradicionalmente mais se usava.

Observe-se que não se está descartando a realização no ensino de língua do primeiro tipo de análise, mas sim chama-se a atenção para o fato de que ele não desenvolve a competência comunicativa. Já o segundo tipo ao trabalhar as possibilidades significativas dos recursos da língua bem como sua função textual-discursiva, tem mais chance de levar a um domínio desses recursos pelo usuário da língua seja como produtor de textos, seja como aquele que vai compreendê-los. É importante ressaltar finalmente, como se pode observar nos exemplos apresentados, que o uso dos recursos da língua em qualquer situação de produção e/ou compreensão de textos, traz embutido uma análise linguística do segundo tipo e não do primeiro e que, por isto as atividades de uso são também parte do desafio analítico que discutimos. Ou seja, não se pode pensar que o uso não é conseqüente a uma reflexão sobre qual o recurso mais adequado à produção de um efeito de sentido pretendido, mesmo que essa reflexão se faça tão rapidamente pelo domínio crescente da língua que pareça estar acontecendo um uso automático.

Esperamos ter cooperado um pouco para ajudar o professor a enfrentar o desafio da análise linguística pela consciência dos tipos de análise que ocorrem, inclusive no uso e quais são mais produtivas para o desenvolvimento da competência comunicativa.

Como foi dito, cada tipo de análise é preferível conforme o tipo de opção que façamos ao configurar o ensino de língua.

Referências bibliográficas.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação - Uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática: Ensino plural. São Paulo: Cortez, 2003.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos; ROCHA, Maura Alves de Freitas e ARRUDA-FERNANDES, Vania Maria Bernardes. A Aventura da Linguagem (Língua Portuguesa) – 6º ano: manual do professor. Belo Horizonte: Dimensão, 2009. 328 p.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos; ROCHA, Maura Alves de Freitas e ARRUDA-FERNANDES, Vania Maria Bernardes. A Aventura da Linguagem (Língua Portuguesa) – 9º ano: manual do professor. Belo Horizonte: Dimensão, 2009a. 376 p.



[1] - Universidade Federal de Uberlândia / Instituto de Letras e Linguística. Site do autor www.ileel.ufu.br/travaglia