GÊNERO DE TEXTO: COMO ESSE CONCEITO É APLICADO NO MATERIAL DIDÁTICO DO PROJETO LIÇÕES DO RIO GRANDE

 

Raquel da Silva Goularte (PPGL/UFSM)[1]

 

 

1 – Introdução

 

O material didático representa um importante instrumento de ensino-aprendizagem no processo de construção de sentidos na sala de aula. Por essa razão, os conhecimentos que envolvem a sua elaboração são de fundamental importância para os estudos linguísticos.

Este trabalho está vinculado à linha de pesquisa Linguagem e Interação do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Santa Maria. O tema desta pesquisa é a análise dos Cadernos Didáticos de Língua Portuguesa do Projeto Lições do Rio Grande, implantado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Ao analisar esse material, pretende-se apurar qual é o embasamento teórico desses cadernos, no que diz respeito ao conceito de gênero, se ele condiz com a perspectiva de Bakhtin (1952), assim como tem-se o intuito de investigar como se desenvolve a aplicação desse conceito nas atividades propostas pelo material.

Este estudo tem como objetivos específicos: verificar o Referencial Curricular dos Cadernos Didáticos de Língua Portuguesa do Projeto Lições do Rio Grande referentes ao Ensino Fundamental e investigar se existe, por parte dos autores desse material, a preocupação teórica em relação ao conceito de gênero de texto; analisar se o conceito de gênero (caso exista uma concepção teórica sobre esse assunto) está de acordo com a perspectiva de Bakhtin (1992); investigar  o Caderno Didático de Língua Portuguesa do Projeto Lições do Rio Grande destinado à orientação do Professor, para observar como se orienta a aplicação do trabalho com gêneros; Examinar as atividades propostas pelos Cadernos Didáticos de Língua Portuguesa do Projeto Lições do Rio Grande destinados ao 5º e 6º, 7º e 8º anos sobre o trabalho com gêneros, a partir da perspectiva bakhtiniana e por meio do Interacionismo sócio-discursivo (ISD), desenvolvido principalmente por Bronckart (1996);depois disso, pretende-se estabelecer comparações entre o caderno que orienta o professor e os cadernos destinados aos alunos, a fim de observar como se dá a aplicação da teoria, através das atividades propostas no material didático. Para complementar este estudo, temos o intuito de realizar entrevistas com professores que utilizam esse material, a fim de indagar o que eles dizem sobre esse apoio didático, bem como observar aulas em que esses professores utilizam o material, para verificar como se dá a aplicação das atividades propostas no referido documento.

Nesse sentido, esta pesquisa pretende contribuir com as reflexões acerca da linguagem, entendendo-se o trabalho com gêneros de texto (como proposto nos PCN’s) na perspectiva de Bakhtin (1992 [1952, 1953]) como uma possibilidade de dar visibilidade à linguagem como atividade interativa e sócio-histórica.

 

2 - A importância deste estudo

 

O livro didático representa um elemento de apoio muito considerado no processo de ensino - aprendizagem, já que esse instrumento constitui uma materialidade linguística importante, tendo em vista que:

 

 

a escola caracteriza-se como um lugar de ensino e é fundamental para legitimar e instrumentalizar a língua nacional, razão porque deve possibilitar a produção dos conhecimentos necessários para a formação de um indivíduo autônomo nos aspectos político, econômico e social. Esse processo de ensino é normatizado pela gramática, dicionários e acrescenta-se, ainda, a esses instrumentos, o livro didático em que também se fixam elementos integrantes do processo de construção/formação da constituição da língua. (LEÃO,2007,p.5)

Nesse sentido, é possível entender que o livro didático possui muitas funções, porque além de servir como elemento de apoio à metodologia do professor, orientando, muitas vezes, sobre “o que deve ser ensinado” e “como deve ser ensinado” ele é um facilitador, já que o seu conteúdo é composto de aulas preparadas e procedimentos metodológicos de aplicação dessas propostas em sala de aula. Nesse aspecto, ele possibilita ao professor atender, sobretudo, a realidade escolar pública, visto que, na maioria das vezes, o professor tem, em média, de 5 a 10 turmas, e cada uma delas com mais de 30 alunos.

No Brasil, poucas são as situações em que não se adota o livro didático.  Pessoa (2009) investigou o livro didático na perspectiva da formação de professores. Ela abordou a relação entre essa ampla adoção do livro didático e os modelos tradicionais de formação profissional. Tal pesquisa foi realizada com alunos de um curso de letras. De acordo com esse estudo, a experiência sem o livro didático é vista como mais positiva do que a experiência com a sua utilização, e a justificativa para isso é as aulas contemplarem melhor a necessidade dos alunos, assim como serem aulas mais interessantes, variadas e livres.

Respeito a pesquisa, mas discordo em um ponto. O fato de as aulas se tornarem mais interessantes, variadas e livres não decorre exclusivamente da não utilização do livro didático. É perfeitamente possível o professor utilizar o livro como apoio e diversificar as tarefas, a sequência da aula, assim como definir que conteúdo do livro é relevante ou não utilizar para aula em questão.

Além disso, um fator extremamente importante é a escolha do material didático a ser utilizado. Coracini (1999) afirma que os critérios de escolha dos manuais didáticos devem considerar: grupo de alunos e objetivos que ultrapassem o conhecimento linguístico. A autora defende que: a) toda proposta pedagógica veicula um ponto de vista sobre ensinar e sobre aprender uma língua (uma ideologia); b) Todo material pedagógico pretende facilitar a aprendizagem e c) O professor deve considerar o ponto de vista sobre ensinar e sobre aprender contido no material para não utilizá-lo cegamente e como único recurso.

Entre as razões para a utilização do livro didático apontadas por Richards (1998, Apud PESSOA, 2009), estão: a exigência de um tempo menor de preparação de aula; a qualidade do material produzido pelo professor geralmente ser inferior à dos livros didáticos comerciais, os quais são alvo de investimento e grande produção; e o fato de o livro didático ser baseado em teorias, abordagens e pesquisas recentes, já que (na maioria das vezes) é desenvolvido por especialistas da área de ensino-aprendizagem. Além disso, (a maioria deles) os livros didáticos apresentam um plano sequencial bem organizado.

Em virtude dessa importância atribuída ao livro didático, a Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação (SEF) justifica a necessidade de avaliação desses materiais por serem eles instrumentos auxiliares importantes da atividade docente e até mesmo o principal referencial de trabalho em sala de aula.

Além disso, há de se ter coerência na utilização desse recurso, porque, segundo Coracini (1999), essa facilidade que o livro didático traz ao docente tem consequências quando não utilizado de maneira adequada, entre elas, estão a limitação de conteúdos, a rigidez do trabalho em sala de aula e a impossibilidade de os interlocutores interferirem na sequência didática preestabelecida, a qual nem sempre é adequada ao grupo de aprendizes.

Essas consequências atribuídas à facilidade que traz o trabalho com livros didáticos sublinham a relevância desta pesquisa sobre o conceito de gênero de texto e a aplicação desse conceito nos livros didáticos de língua portuguesa, sobretudo, do ensino fundamental, porque este estágio constitui a base para a formação do aluno enquanto leitor, a fim de que ele aprenda não só a ler, mas a compreender o que lê e a distinguir tipos de enunciados e formas de dizer. Justamente porque a linguagem é complexa e ela se concretiza não só através de textos (que não estão soltos, eles se organizam em gêneros), mas também é preciso levar em consideração a linguagem oral, que também se organiza por meio de gêneros, classificados de acordo com a situação comunicativa.

Essa visão é também compartilhada pelos Parâmetros Curriculares do Ensino de Língua Portuguesa (aqui nos deteremos aos ciclos 3º e 4º), a partir dos quais os livros didáticos utilizados nas escolas são analisados. Nessa perspectiva, o domínio da competência textual além dos limites escolares passa a ser uma das finalidades do ensino de língua portuguesa.

A partir disso, conforme Dolz e Schnewly (2004), o gênero discursivo passa a ser adotado como objeto de ensino dos eixos do uso de língua materna em leitura e produção, bem como indicam o lugar do texto (oral/escrito) como unidade de trabalho (que constitui a materialização de um texto).  A teoria que embasa a análise de livros didáticos, no que diz respeito às noções de gênero do discurso, assumida nos PCN’s, desenvolve-se a partir das reflexões de Bakhtin (1992) e seus seguidores (Dolz e Schnewly (1996) e Bronckart (1997)).

Podemos afirmar que a investigação do conceito de gênero que está por trás na elaboração de livros didáticos de língua portuguesa é de suma importância para os estudos sobre linguagem e para o ensino de língua portuguesa. É um assunto que contribui de maneira significativa para o desenvolvimento do ensino de língua materna.

Portanto, é necessário que o conceito de gênero discursivo seja abordado de forma adequada e com estratégias metodológicas coerentes, a fim de que o livro didático sirva não apenas para orientar o professor sobre “o que ensinar” e “como ensinar”, mas que não gere uma relação de dependência, ao contrário, que o leve a utilizar o livro didático da forma mais eficaz, sabendo adaptá-lo à realidade de cada turma e, posteriormente, conseguir montar o seu próprio planejamento (suas próprias sequências didáticas).

 

3 – Metodologia e fundamentação teórica

 

Para a realização desta pesquisa, utilizaremos o material digital que consta no site da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul (http://www.educacao.rs.gov.br/pse/html/refer_curric.jsp?ACAO=acao1). Esse material é composto por cinco cadernos: um Caderno do Professor e quatro Cadernos do aluno (5º e 6º ano; 7º e 8º ano; 1º ano; 2º e 3º ano; bem como caderno do professor); destes, serão analisados os cadernos que dizem respeito ao ensino fundamental e o caderno do professor, além do referencial teórico dos referidos cadernos.

Em seguida, é preciso elaborar os critérios para a análise dos livros selecionados. A perspectiva teórica adotada neste trabalho provém do Interacionismo sócio-discursivo (ISD), desenvolvido pelo grupo de Genebra (em especial, Bronckart, 1996; Schneuwly, 1994; Dolz & Schneuwly, 1997).   Esse quadro teórico entende as condutas humanas como “ações situadas cujas propriedades estruturais e funcionais são, antes de mais nada, um produto da socialização”. (BRONCKART, 1999, p.13).  Tal teoria é pautada nas ideias dos autores russos Lev Semyonovich  Vygotsky (1896-1934)  e  Mikhail Bakhtin (1895-1975).

Conforme Vygotsky (1998a), a linguagem é o ponto nodal para o entendimento do homem como ser histórico e social, cuja compreensão deve ser buscada através do cruzamento das perspectivas individual e histórica.

Para Bakhtin (1952, 1929), o homem é essencialmente social e a sua linguagem é ideológica.  Assim, ele considera que a linguagem é marcada pelo constante jogo de oposições que forma o cenário social no qual o homem está inserido.

Em seguida, Bronckart, com base em Vygotsky (1998), Bakhtin (1952, 1929) e tomando emprestado alguns conceitos defendidos por Habermas (1987apud Bronckart 1999) e Ricoeur (1986 apud Bronckart 1999), entende as ações verbais como mediadoras e constitutivas do social, com o qual interagem múltiplos interesses, conceitos, valores, teorias, objetivos e significações de si e dos outros.

Tendo em vista que os pressupostos marxistas o influenciaram diretamente, um dos princípios fundamentais defendidos por Vygotsky é sobre a relação do homem com o mundo. Ele considera que as funções psicológicas são fundamentadas nas relações sociais entre o homem e o mundo, constituindo-se através de um sistema simbólico. Isso significa, para ele, que não se trata de uma relação direta, mas de uma relação mediada. Assim, esse teórico buscava compreender as características específicas do homem através do estudo da origem e do desenvolvimento da espécie humana, considerando como processo diferenciador o surgimento do trabalho e a formação da sociedade humana.

Vygotsky pretendia entender a relação do pensamento com a linguagem e suas implicações no processo de desenvolvimento intelectual. Para ele, o sujeito age sobre a realidade e interage com ela, construindo seus conhecimentos a partir das relações intra e interpessoais. Assim, de acordo com Vygotsky, é na troca com outros sujeitos e consigo próprio que ele internaliza conhecimentos, papéis e funções sociais.

A partir disso, ele considera que a aprendizagem deve ser observada em três níveis: a) Desenvolvimento Real (aquilo que a criança consegue fazer sozinha), b) Desenvolvimento potencial (aquilo que a criança consegue fazer com auxílio) e c) Zona de Desenvolvimento Proximal (quando as funções estão em processo de maturação – intervalo entre as duas fases anteriores). Esta última em especial, porque indica que as atividades devem estar dentro de certos limites, já que algumas tarefas, segundo Vygotsky, embora com auxílio de outras pessoas, a criança não é capaz de realizar.

Portanto, segundo o autor, é necessário que a criança perceba a utilidade dos desafios e informações a ela apresentados, para que consiga superá-los. Este ponto é importante ao pensarmos no conceito de gênero de texto e na aplicação deste conceito.

Vygotsky apresentou grandes dificuldades teóricas e metodológicas, entre elas, Bronckart deter-se-á em três: a primeira diz respeito à unidade de análise da psicologia; a segunda refere-se à delimitação e à articulação da ordem do social e da ordem do psicológico; e a terceira (a qual nos interessa mais neste trabalho) refere-se ao estatuto a atribuir à linguagem, em suas relações com a atividade social e com as ações.

Segundo Bronckart, Vygotsky considera a palavra como atividade verbal, com isso, não identifica as unidades verbais maiores, as quais foram conceitualizadas por Bakhtin como gêneros do discurso.

Existem alguns conceitos que estão presentes na pesquisa de Bronckart e são fundamentais para uma melhor compreensão do nosso quadro teórico. Um deles é a atividade (social), que é entendida pelo autor como sendo a maneira como são organizadas as funções comportamentais dos seres vivos em relação ao meio ambiente e “os elementos de representação interna (ou de conhecimento) sobre esse mesmo ambiente”.

Bronckart toma emprestado de Habermas (1987 apud Bronckart 1999) o que este chamou Agir Comunicativo: a atividade de linguagem em funcionamento nos grupos humanos. Além disso, aproveita também o que Habermas denominou mundos representados. Nesse sentido, a língua é tida como uma organização social que, através de uma construção histórica permanente, estrutura-se a partir de signos, os quais são postos em uso na representação de três mundos. São eles: a) o mundo objetivo no qual há representações pertinentes sobre os parâmetros do ambiente; b) o mundo subjetivo que representa as características próprias de cada um dos indivíduos engajados na tarefa e c) o mundo social, o qual constitui a maneira de organizar a tarefa. Juntos, esses mundos representam o contexto da atividade social.

Segundo Bronckart, por meio da diversidade das semantizações dos mundos representados, tem-se a variação da cultura. Isso acontece porque os grupos humanos estão separados geograficamente, são de ramos diferentes, estabelecem relações com o mundo diferentes, fazendo com que cada língua tenha uma semântica própria e, através da semântica própria de cada língua, os mundos representados são construídos.

Nesse sentido, a variação da cultura forma uma comunidade verbal que constitui múltiplas formações sociais. Essas com objetivos e interesses próprios elaboram particularidades de funcionamento da língua, o que equivalem ao conceito de formações discursivas, que Bronckart toma emprestado de Foucault (1969 apud Bronckart, 1999) e chama de Formações sócio-discursivas. Dessa forma, a semiotização dá lugar à atividade de linguagem e esta se organiza em discursos ou textos, que, de acordo com ele, não estão soltos, organizam-se, portanto, em gêneros.

Assim, Bronckart entende como verdadeiras unidades verbais as unidades que se situam claramente em um nível de análise que corresponde ao da atividade e das ações. Dessa forma, confere à palavra um estatuto de unidade de nível inferior no quadro englobante dos textos.

O autor acredita que primeiro é preciso integrar a dimensão discursiva da linguagem e, para tal, fazer empréstimos da linguística e da sociolinguística, deixando claro as relações entre ações humanas e ações de linguagem.

De acordo com o que compreende o interacionismo, é ilusório tentar interpretar as condutas humanas em sua especificidade. A partir da historicidade do ser humano, o interacionismo se interessa em observar como se desenvolveram, na espécie humana, formas particulares de organização social, simultaneamente a (ou sob o efeito de) formas de caráter semiótico.

Tendo em vista que o interacionismo sócio-discursivo está centrado na questão das condições externas de produção dos textos, isso provoca um abandono da noção de “tipo de texto” a favor da de gênero de texto e de tipo de discurso. Neste caso,

 

[...] são os gêneros, como formas comunicativas, que serão postos em correspondência com as unidades psicológicas que são as ações de linguagem, enquanto os tipos de discurso serão considerados como formas linguísticas mais específicas que entram na composição dos gêneros [...]. (BRONCKART, 1999, p.15)

 

Para Bakhtin, a utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, que emanam dos integrantes de uma ou de outra esfera da atividade humana. Por enunciado, ele entende ser a unidade real da comunicação verbal, delimitada pela alternância dos sujeitos falantes. Ele é dirigido a alguém, provocado por algo e persegue uma finalidade qualquer. Esse enunciado, segundo o autor, reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas por seu conteúdo temático, por seu estilo verbal e, sobretudo, por sua construção composicional.

De acordo com Bakhtin, esses três elementos estabelecem o todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. Em virtude disso, cada esfera de utilização da língua elabora seus próprios tipos relativamente estáveis de enunciados, que foi o que Bakhtin chamou de gêneros do discurso.

Ele estabelece duas classificações para os gêneros do discurso: Primários (simples), que funcionam na comunicação verbal espontânea, são essencialmente orais; e os gêneros secundários (complexos), que aparecem em circunstâncias de uma comunicação verbal mais complexa, principalmente na escrita. Todos os gêneros secundários incorporam os gêneros primários do discurso. Assim, o diálogo é a base para todas as atividades que envolvem linguagem.

Segundo Bakhtin, “o estilo está indissoluvelmente ligado ao enunciado e a formas típicas de enunciados, isto é, aos gêneros do discurso”. Nem todos os gêneros são igualmente propícios ao estilo individual. Os mais propícios, segundo Bakhtin, são os literários. As condições menos favoráveis para se refletir a individualidade na língua são oferecidas pelos gêneros do discurso:

 

Uma dada função (científica, técnica, ideológica, oficial, cotidiana) e dadas condições, específicas para cada uma das esferas da comunicação verbal, geralmente um dado gênero, ou seja, um tipo de enunciado, relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e estilístico. (Bakhtin, 1992, p.284)

 

Pode-se estudar o estilo. No entanto, conforme Bakhtin, o estudo sempre deve partir do fato de que os estilos da língua pertencem, por natureza, ao gênero discursivo e, antes de ser individual, o gênero é social.

Bakhtin critica a estilística da língua, afirmando que ela foi debilitada pelo fato de não ter levado em consideração a natureza dos gêneros e sua divisão em primários e secundários. “As mudanças históricas dos estilos da língua são indissociáveis das mudanças que se efetuam nos gêneros do discurso”. (p.285) Dessa forma, mudando-se o estilo de um gênero para outro, acaba-se destruindo esse gênero e criando-se outro:

 

Quando há estilo, há gênero. Quando passamos o estilo de um gênero para outro, não nos limitamos a modificar a ressonância deste estilo graças à sua inserção nem gênero que não lhe é próprio, destruímos e renovamos o próprio gênero. (BAKHTIN, 1992, p. 286).

 

Para Bakhtin, todos os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de estruturação do todo. Alguns gêneros são padronizados e estereotipados; outros, entretanto, são mais maleáveis, mais práticos e mais criativos.

Assim, após fixar-se a teoria e definirem-se os critérios de análise, partiremos à investigação dos livros e, posteriormente, à comparação entre eles para, então, passar à elaboração do relatório dos resultados obtidos.

Quanto à etapa final, será constituída de reflexão e formulação de conclusões, a fim de obter informações relevantes que contribuam não só para a elaboração futura de materiais didáticos, mas para a prática de sala de aula em relação à utilização desses instrumentos.

 

4 – Considerações Finais

Tendo em vista que se trata de um trabalho vinculado à linha de pesquisa Linguagem e Interação, este projeto visa a refletir sobre a relação entre linguagem e interação a partir de abordagens interacionistas da linguagem, por meio da perspectiva sócio-discursiva. Nesse sentido, o livro didático é um importante elemento de linguagem e interação entre professor-material, professor-aluno e aluno-material.

Sabemos que, na era pós-moderna em que vivemos, a forma de saber não se concentra mais na objetivação, na razão, assim como o eixo valorativo não tem como primazia a verdade, mas houve uma ruptura que privilegia antes disso a eficácia e a sobrevivência. É evidente que nenhum livro didático substitui o professor, assim como a tecnologia jamais substituirá o livro, mesmo que venha a ser mais utilizada. Mas o professor deve estar preparado para atender a demanda da educação nessa era e, com isso, saber utilizar vários recursos e estratégias de ensino-aprendizagem. Entre esses recursos está o livro didático. É nisso que reside a importância da qualidade dos materiais didáticos e a relevância das pesquisas que envolvem a análise desses materiais.

Portanto, este projeto contribui com a análise dos materiais didáticos do Projeto Lições do Rio Grande, implantado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul.  E, por se tratar de uma pesquisa que está em andamento, em fase de revisão bibliográfica, não foram ainda apresentados neste texto detalhes como critérios de análise e resultados.

5 - Bibliografia

 

BAKHTIN, M. O problema dos gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Tradução do francês de Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira, São Paulo: Martins Fontes, (Coleção Ensino superior): 275-326. 1953 /1992.

_____________/ VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel lahud e Yara F. Vieira. São Paulo, HUCITEC, 1986.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Brasília: Secretaria da Educação Fundamental, 2000.

BRASIL. Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul. http://www.educacao.rs.gov.br/pse/html/refer_curric.jsp?ACAO=acao1).

BRONCKART, J-P. Atividades de Linguagens, texto e discursos. Por um interacionismo sócio-discursivo. Trad. Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. São Paulo: Educ, 1999.

_________________. Atividade de Linguagem, Discurso e Desenvolvimento Humano. Trad. Anna Rachel Machado e Maria de Lourdes Meirelles Matencio (Orgs.). Campinas, SP: Mercado de Letras, 2006.

CORACINI, M. J. F. (Org) Interpretação, autoria e legitimação do livro didático. Campinas: Pontes,1999.

LEÃO, M. R. A.. A leitura no Livro didático de Língua Portuguesa: outras formas de dizer o mesmo. Santa Maria: UFSM. 2007. Tese (Doutorado em Letras).

PESSOA, R.R. O livro didático na perspectiva da formação de professores. Trab. Linguist. Apl. Vol. 48 nº1 Campinas jan/jun 2009.

SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. São Paulo: Mercado das Letras, 2004.

VYGOTSKY, L. V. Pensamento e Linguagem. 3ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

________________. A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores; Organizadores michael Cole... [et al.]; tradução José Cipolla Neto luís Silveira Menna. Barreto, Solange Castro Afeche. - 6ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.



[1] Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFSM e bolsista Capes.