A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO LIVRO DIDÁTICO

Gisele  Vargas (UFPel)

 

1. Introdução

 

O livro didático é um instrumento educacional, funcionando como ferramenta complementar da prática do professor em aula, contribuindo também para o estudo do aluno individualmente.

De acordo com o Portal do MEC (2008), o livro didático:

 

é um importante material de apoio ao processo de ensino e aprendizagem, pois contribui, ao mesmo tempo, para o trabalho do professor e para o estudo do aluno. Embora a prática pedagógica do professor envolva diversas dimensões, como sua  pesquisa constante para o aprimoramento de seu trabalho em sala de aula, um livro didático com textos adequados, ilustrações pertinentes e informações atualizadas auxilia no planejamento de ensino. Para que suas possibilidades sejam aproveitadas ao máximo, o livro didático deve estar adequado às necessidades da escola, do aluno e do professor.

 

Para que o livro didático esteja disponível para a escolha, é necessário que o mesmo passe por um sistema de avaliação do MEC, o qual instituiu cinco requisitos metodológicos que os livros devem seguir: (a) “explicitar sua proposta metodológica”, (b) “realizar as propostas de maneira coerente”, (c) “mobilizar e desenvolver o maior número possível das capacidades básicas do pensamento autônomo e crítico”, (d) “articulação pedagógica com outros livros da coleção” e (e) “percepção das relações entre o conhecimento construído e suas funções na vida social” (Guia do livro didática, supressões nossas, 2008, p. 13).

Como critério classificatório da análise dos LDPs, é possível identificar que entre as categorias está a língua e a linguagem, quando informa que é preciso “considerar e respeitar a diversidade lingüística, situando as variedades urbanas de prestígio nesse contexto” e “valorizar e efetivamente trabalhar a variação e a heterogeneidade lingüísticas (Guia do livro didática, supressões nossas, 2008, p. 15-16).

Apesar de ser um dever do estado e um direito da escola "O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de (...) VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde" (art. 208), muitos professores se vêem obrigados a adaptar o LDP para as necessidades da escola, modificando conteúdos e informações presentes nesses livros, como lembra Neto & Fracalanza:

 

Professores e professoras da educação básica, por sua vez, têm recusado cada vez mais adotar fielmente os manuais didáticos postos no mercado, na forma como concebidos e disseminados por autores e editoras. Fazem constantemente adaptações das coleções, tentando moldá-las à sua realidade escolar e às suas convicções pedagógicas. Acabam por reconstruir o livro didático adotado, o que não lhes agrada, dado o esforço despendido para tal reformulação sem o devido reconhecimento profissional, nem agrada aos editores e autores de livros didáticos, pois consideram que essas adaptações usualmente introduzem erros e equívocos nas obras editadas (2003, p. 147).

 

 

A partir dessa realidade, se percebe a necessidade de investigarmos o livro didático e o conteúdo que o compõe, identificando de forma crítica quais os pontos positivos e negativos do material utilizado em sala de aula. Assim, o presente trabalho visa analisar a variação lingüística presente no livro didático: Português: leitura, produção, gramática, de Sarmento (2006) que foi classificado pelo MEC como apto para a distribuição nas escolas nos anos de 2008, 2009 e 2010. Optou-se por uma abordagem qualitativa, privilegiando uma análise documental, à luz de autores que trabalham com a variação linguística.

 

2. Variação Linguística

 

Segundo Mollica, “todas as línguas apresentam um dinamismo inerente, o que significa dizer que elas são heterogêneas” (2005, p. 9), ou seja, todo o sistema linguístico sofre mudanças significativas com passar do tempo. Com o português do Brasil, evidentemente, não é diferente, já que são sentidas as diversas diferenças entre as regiões do Brasil, de tal maneira que o mesmo estudioso alude que:

 

No sul do país, o pronome “tu” é o tratamento preferido quando o falante interage com o ouvinte, encontrando-se em menor escala em outras regiões e evidenciando uma diferenciação geográfica, em que os pronomes de tratamento distribuem-se em sistemas variacionais diferentes (2005, p. 9).

 

Essas diferenças, conforme Mollica, presentes na língua são chamadas de variações lingüísticas que

 

(...) constitui o fenômeno universal e pressupõe a existência de formas lingüísticas alternativas denominadas variantes. Entendemos então por variantes as diversas formas alternativas que configuram um fenômeno variável, tecnicamente chamado de variável dependente. A concordância entre o verbo e o sujeito, por exemplo, é uma variável lingüística (ou um fenômeno variável), pois se realiza através de duas variantes, duas alternativas possíveis e semanticamente equivalentes: a marca de concordância no verbo ou a ausência da marca de concordância (2005, p. 11).

 

Desta forma, levando em consideração as diferenças sociais, históricas e regionais percebe-se o quão freqüente as variações lingüísticas estão presentes na sala de aula e, portanto, devem ser abordadas pela escola de forma crítica e imparcial. Porém, essa questão é ainda pouco trabalhada em aula, uma vez que “professores não sabem como agir diante dos chamados “erros de português” (FRAGA, 2005, p. 107).

Como informa Bastos (2004, p. 227), “há tipos de variação que interferem diretamente na atividade discursiva sob vários pontos de vista” e para tal, tanto a escola como o livro didático devem reservar um espaço significativo em sua abordagem, para que os alunos possam não apenas identificar as variedades da língua, mas também respeitar e refletir sobre essa questão que gera tanto preconceito na sociedade e, no entanto, é tão pouco discutida e reavaliada.

 

3. Análise

 

Inicialmente, vale ressaltar que o livro apresenta-se essencialmente escrita de acordo com a norma culta do português brasileiro, não fazendo menção à heterogeneidade linguística presente no país. Prefere, ao contrário, trazer reflexões a respeito do léxico, convidando o aluno a buscar sinônimos ou significados no dicionário, por exemplo. As reflexões sobre as variedades linguísticas, igualmente, parecem secundárias, surgindo fragmentadas ao longo de questionários específicos, sem estabelecer relações entre a situação social dos falantes e seu modo de usar a língua, por exemplo.

Se por um lado a obra não traz uma reflexão específica a respeito da variedade linguística, por outro, nos escassos momentos em que a aborda, o faz de maneira correta, não apresentando distinções entre “certo” e “errado”, mas, ao contrário, solicitando ao aluno que diferencie a norma culta da linguagem informal – ou coloquial –, das gírias, etc., e aplicando cada uma delas em diferentes momentos. Como exemplo, na página 41 do primeiro capítulo, no tópico Linguagem e interação, a autora solicita que o aluno transcreva as gírias presentes em um texto e explique o porquê do uso da linguagem informal no mesmo.

Entretanto, em certos momentos, a autora confunde “variedade prestigiada” com “variedade padrão”. Comete, desta forma, um equivoco que é comum em muitos livros didáticos, como observa Bagno:

 

(...) não faz muito sentido usar termos como variedade-padrão, língua-padrão, dialeto-padrão, porque o padrão não é variedade, nem língua, nem dialeto para tratar de variedade, língua e dialeto é preciso que existam pessoas de carne e osso falando esta variedade, língua ou dialeto, e ninguém fala (nem escreve) o padrão, nem no máximo grau de monitoramento estilístico (2007, p. 131).

 

A autora aborda ainda, o tema estrangeirismo, o qual define como o “emprego de palavras ou expressões estrangeiras” (p. 16). Podemos definir este tema, igualmente, como um exemplo de variedade lingüística utilizado por um determinado grupo social, sobre o qual a autora, no entanto, não traz uma reflexão aprofundada, preferindo solicitar um exercício de tradução, simplesmente:

Durante o livro, outras abordagens que se referem a formas de se falar são contempladas com explicações e exercícios, o que leva o aluno a refletir sobre a língua que fala. Infelizmente, as explicações não citam essas formas de falar como variantes lingüísticas e assim, o aluno trabalha de forma incompleta esses conceitos.

 

 

3.1 Leitura de Imagem

 

 

Em “Leitura da imagem”, percebemos a utilização de diversas palavras de difícil compreensão para alunos de 7ª série. Como se trata de um exercício acerca de uma imagem previamente mostrada, percebemos a utilização de palavras que seriam próprias para a explicação da imagem, mas que muitas vezes, não está presente no linguajar das crianças. Palavras como “idílio” e “respigadeira”, geralmente, não fazem parte do vocabulário dos alunos do ensino médio, porém são facilmente identificadas por pessoas de mais idade ou de pessoas de regiões rurais do país. Como explica Monteiro “há também diferenças marcantes entre a linguagem dos idosos e a dos adolescentes, bastando mencionar que aqueles mantêm certas construções léxicas ou sintáticas que podem até parecer estranhas” e “certos traços identificam dialetos falados especificamente no campo, enquanto outros nos parecem mais próprios das cidades” (2000, p. 76-78).

 

 

3.2 A Palavra é...

 

Este exercício está presente em todos os textos do capítulo, logo após o término do mesmo. A intenção do exercício é a de que os alunos encontrem sinônimos para determinadas palavras retiradas do texto, as quais nem sempre são de conhecimento do aluno. Como forma de ampliar o vocabulário, tal exercício leva o aluno a pesquisar no dicionário, por exemplo, para entender a palavra e encontrar seus sinônimos. Em alguns desses exercícios também existe a solicitação para que o aluno explique a palavra que está sendo trabalhada.

Entendemos os sinônimos como variantes linguísticas, assim também interpreta Freixa (2003, p. 14) que vê “a sinonímia como variação denominativa e aponta causas para essa variação, a saber, causas estilísticas, dialetais, funcionais, sociolingüísticas e causas cognitivas”.

Julgamos que os exercícios são interessantes para o entendimento do aluno frente às diferenças sinonímias. Acreditamos que os exercícios de reescrever sejam necessários para que os alunos reflitam sobre as palavras presentes no texto, assim como também acredita Dionísio apud Travaglia:

 

Reescrever parece ser o tipo de atividade mais solicitada quando o assunto é VL, ou apenas quando o texto empregado traz ocorrências de VL. A reescritura pode oferecer ao aluno condições para reflexão e apreensão das variedades linguisticas, ou seja, pode, realmente, fazer com que o aluno atente para “a condição de uso de formas que são esperadas e adequadas em diferentes tipos de situações que terminam por configurar em nossa sociedade (1997, p. 82).

 

Apesar disso, acreditamos que um exercício onde o aluno procurasse aquelas palavras que julgasse interessante e que quisesse pesquisar a existência de sinônimos seria mais construtivo para o aluno.

Sentimos também falta de uma explicação a respeito do que são os sinônimos, e acreditamos que essa ausência deve ser suprida pelo professor, que pode levar o conceito que acredita mais relevante para a turma que está trabalhando.

 

 

3.3 Oficina de Produção

 

O livro trabalha a questão da escrita através da produção de diversos tipos de documentos. Cada documento é exemplificado e explicado no livro e posteriormente são propostos exercícios para que os alunos trabalhem essas questões em conjunto com seus colegas.

Em todas as propostas, as variações linguística estão presentes, porém, não são mencionadas. As variações tanto na escrita quanto na fala, devem estar presentes quando se fala desses tipos de trabalho, pois a variação é uma realidade e deve ser trabalhada quando é apresentada.

 

 

3.4 Linguagem e Interação

 

É um dos poucos tópicos que sugere aos alunos uma reflexão mais aprofundada sobre a função de uma variante linguística dentro de um determinado gênero de texto, no caso, a crônica.

Neste exercício, especificamente, a autora solicita aos alunos que reflitam e respondam qual a importância da linguagem informal em um dado texto. Desta forma, compreenderão que a linguagem coloquial também tem uma função no sistema linguístico, e que esta não deve ser julgada como “errada”, mas, pelo contrário, deve ser respeitada e valorizada pelos falantes em determinados contextos.

O tema estrangeirismos é abordado novamente, embora neste tópico sejam ressaltadas as palavras aportuguesadas, ou seja, aquelas oriundas de outras línguas. A autora estimula os alunos a refletirem sobre este tipo de item lexical e a buscar semelhanças em seu léxico, desenvolvendo, assim, uma pequena pesquisa.

São propostos exercícios que se referem à reescrição de “expressões” presentes no texto Acreditamos que esses exercícios possuem as mesmas características dos exercícios sobre sinônimos, com a intenção de fazer o aluno refletir sobre as variações (Dionísio apud Travaglia).

3.5 Você é o autor

 

Neste tópico do livro, a autora incita os alunos a comporem trabalhos, geralmente em duplas, utilizando-se, para tal, de determinados gêneros textuais, como artigo, anedota, etc. Um ponto sempre ressaltado pela autora é que os textos devem ser escritos na norma culta da língua portuguesa, e, a fim de intensificar esta prática, solicita revisões e reescritas. Entretanto, traz poucas discussões acerca da relevância do uso desta norma culta, o que faz com que o trabalho torne-se disperso e descontextualizado, sem tornar claro ao aluno a importância de conhecer e empregar a forma privilegiada da língua.

A fim de evidenciar a importância desta correta abordagem das variedades linguísticas em sala de aula, os PCN’s incluem no capítulo sobre o “ensino e a natureza da linguagem”:

 

(...) Organizar situações de aprendizado, nesta perspectiva, supõe: planejar situações de interação nas quais esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados; organizar atividades que procurem recriar na sala de aula situações enunciativas de outros espaços que não o escolar, considerando-se sua especificidade e a inevitável transposição didática que o conteúdo sofrerá; (...) (BASTOS, 2004, apud Brasil, PCN, 1998, 5° a 8°, p. 22).

 

Assim, encontramos, a proposta de um debate, no qual os alunos assumem papéis e discutem, a partir da linguagem oral, um determinado assunto. Uma das instruções para um bom debate, segundo este livro, é que os participantes devem usar uma linguagem formal, sem gírias e expressões coloquiais.

 

Logo abaixo percebemos também, no item avaliação, que uma das regras de julgamento do debate é se o aluno usou uma linguagem adequada à situação, confirmando a valorização dada pelo livro à linguagem culta, embora – reafirmamos – de forma descontextualizada.

 

3.6 Avaliação e Reescritura:

 

Neste tópico, a autora sugere a correção e a reescritura de textos anteriormente solicitados, os quais deverão ser trocados entre os alunos a fim de que uns consertem os trabalhos dos outros, dando sugestões quanto a possíveis problemas, como o emprego correto da norma culta.

Este exercício, realmente, tem a sua importância dentro do ensino da língua portuguesa, entretanto, ele não insere uma reflexão mais aprofundada a respeito da utilização da norma culta nas situações adequadas, mas propõe, apenas, a simples substituição de palavras ou frases. Sobre esta “epidemia” da simples reescritura, vazia de significado, nos livros didáticos, Dionísio (2001, p. 84) apud Moraes (1999, p. 86-87) atenta:

Quando a escola só pede às crianças que transformem o ‘errado’ em ‘certo’, contribui para a manutenção de preconceitos lingüísticos, pois não questiona os critérios (ideológicos, históricos, sócio-políticos) que levam as pessoas a acreditarem que certas formas de usar a língua são as únicas ‘boas’ ou legítimas- enquanto as muitas outras formas variantes são tratadas como ‘erros de português’, ‘degenerescências do idioma’.

 

Apesar de se tratar de uma abordagem importante para o ensino da língua, muitas vezes esse tipo de exercício pode inibir a fala natural do aluno.

Ressaltamos, novamente, que, em determinado momento, é utilizada inadequadamente a expressão variedade padrão, no lugar de variedade privilegiada. Vimos anteriormente que, segundo Bagno, não é possível a nenhum usuário o emprego real da norma padrão, já que este é um conceito imaginário, abstrato, que serve apenas para prescrever regras, não pertencendo, desta forma, ao sistema lingüístico em uso.

 

 

3.7 Análise da Leitura

 

Assim como no tópico anteriormente citado, este também aborda, embora brevemente, a questão da linguagem informal e sua implicação no texto. Desta forma, estimula os alunos a refletirem sobre os momentos mais adequados à utilização deste tipo de variante.

Neste mesmo tópico é proposto aos alunos, a partir da leitura prévia da entrevista “Dinheiro não traz felicidade”, que expliquem por que esta apresenta uma linguagem transcrita altamente formal, já que a realização de uma entrevista se dá, normalmente, de forma oral, apresentando os inúmeros vícios e traços característicos da oralidade.

Com isso, a autora estimula os alunos a traçarem paralelos e buscarem diferenças entre as linguagens oral e escrita, sem fazer discriminações ou rotular a oralidade como “errada” e a escrita como “certa”, mas, ao contrário, a compreender a linguagem formal como uma necessidade, em determinados momentos. É como cita Bagno (2007, p. 136):

 

Não é mais possível aceitar declarações como “isso até pode valer na língua falada, mas na escrita de jeito nenhum”, simplesmente porque não existe “a língua falada” nem “a língua escrita”, absolutas e homogêneas, mas sempre, inevitavelmente, uma realização falada e uma realização escrita da língua, na forma de um texto, concretizado segundo as convenções de algum gênero textual (grifo original).

 

 

3.8 Textos

 

Os textos trabalhados no livro estão todos escritos na forma padrão, em raras vezes encontradas expressões populares que posteriormente, em exercícios, são “corrigidas”. Concordamos com Bagno ao informar que os livros insistem na preservação de um modelo idealizado de língua, de um padrão normativo extremamente rígido e conservador.

Portanto, é possível afirmar que os textos presentes nesse livro privilegiam a norma-padrão da língua, dando pouco ou nenhum espaço para outras variações linguísticas.

 

4. Considerações finais

 

Após a análise de Português: leitura, produção, gramática, de Leila Lauar Sarmento, podemos concluir que esta obra pode revelar-se uma ferramenta de grande utilidade em diversas áreas da língua portuguesa para os professores de todo país; entretanto, se focalizarmos no tema variação linguística, perceberemos uma tendência comum a muitos outros livros didáticos produzidos em diversos momentos e com diferentes abordagens: não há uma atenção séria para a variação, este fato tão natural em qualquer língua, e que revela indícios de extrema relevância dos aspectos sociais, regionais, históricos, por exemplo, de uma população, como também acredita Neto e Fracalanza

 

O livro didático não corresponde a uma versão fiel das diretrizes e programas curriculares oficiais, nem a uma versão fiel do conhecimento científico. Não é utilizado por professores e alunos na forma intentada pelos autores e editoras, como guia ou anual relativamente rígido e padronizado das atividades de ensino-aprendizagem. Acaba por se configurar, na prática escolar, como um material de consulta e apoio pedagógico à semelhança dos livros paradidáticos e outros tantos materiais de ensino. Introduz ou reforça equívocos, estereótipos e mitificações (2003, p. 154).

 

Percebemos enquanto analisávamos o livro didático de que em nenhum momento este faz menção a heterogeneidade da língua portuguesa, trabalhando em sua quase totalidade com o monolinguismo. Essa omissão do plurilinguismo da língua prejudica o aluno que passa a acreditar que sua forma de falar está errada e que a língua é monolingue. Como cita Bagno:

 

É uma pena que toda essa história permaneça oculta e que a escola continue preservando o mito do monolinguismo que, para piorar, foi construído na ilusão de que o Brasil é um “milagre” lingüístico porque todos os brasileiros se entendem perfeitamente num território maior que a Europa ocidental... (2007, 128).

 

Sabemos, apesar disso, que o variacionismo – a teoria da variação linguística – ainda é uma ideologia recente e que ganha prestígio e força com o passar dos anos, convencendo cada vez mais estudiosos da importância do estudo de uma língua contextualizada e inserida na sociedade. Assim, a tendência é que, nos próximos anos, os livros didáticos passem a rever suas doutrinas e a considerar as diversas variedades linguísticas como fenômenos sistematizados e dignos de uma atenção específica.

Desta forma, com a variação saindo das notas de rodapé e ganhando capítulos próprios nos livros didáticos, a língua própria de cada brasileiro passará a ser valorizada, e nossos alunos aprenderão a utilizar a linguagem verbal como uma poderosa arma, capaz de propiciar oportunidades e direitos a todos que souberem a manejar com destreza e eficiência. Com isto, a linguagem passará a ser o instrumento social perfeito, como já pregam os PCN’s atuais:

 

O domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da língua, como tema simbólico utilizado por uma comunidade linguística, são condições de possibilidade de plena participação, social. Pela linguagem, homens e mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem cultura (BASTOS, 2004, apud Brasil, PCN, 1998, 5° a 8°, p. 22).

 

Concluímos com isso que o livro analisado pouco aborda a questão da variação linguística, privilegiando a norma padrão da língua portuguesa.

 

5. Referências Bibliográficas

 

 

Bagno, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

 

BASTOS, N. B. Língua Portuguesa em calidoscópio. São Paulo: EDUC, 2004. Artigo de Luiz Antônio Marcuschi.

 

BRASIL. Constituição federal (CF). Disponível em: <http://www.dji.com.br/constitui cao_federal/cf205a214.htm>.

 

Dionísio, Angela Paiva. Variedades Lingüísticas: avanços e entraves. In: O livro didático de português: múltiplos olhares. 1. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.

 

FRAGA. Educação Em Língua Materna: A sociolingüística em sala de aula. Todas As Letras H, ano 7, n. 2, 2005.

 

Freixa, Judit. "La variació terminològica. Anàlisi de la variació denominativa en textos de diferent grau d"especialització de l"àrea de medi ambient". Tese de doutorado - 2002. Departament de Filologia Catalana, Universitat de Barcelona; Institut Universitari de Lingüística Aplicada. Edição em CD-ROM. Barcelona, 2003.

 

MEC. Guia de livros didáticos PNLD 2008. Língua portuguesa Disponível em: <ftp://ftp.fnde.gov.br/web/livro_didatico/guias_pnld_2008_linguaportuguesa.pdf>.

 

MOLLICA. Introdução à Sociolingüística. O Tratamento da Variação. Contexto,  2003.

 

Monteiro, José Lemos. Para Compreender Labov. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000.

 

Neto & Fracalanza. O Livro Didático de Ciências: Problemas e Soluções. Ciência & Educação, v. 9, n. 2, p. 147-157, 2003.

 

SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2006.